Uma nova temporada com mamis

Amanheci com o rosto de um anjo dourado no forro do quarto onde durmo na casa de minha mãe.

Ele me lembra um cartão que um dia uma paciente me deu. Eu era o anjo da guarda dela.

O anjo dourado apenas me olhava, num forro todo craquelado de formas douradas.

Virei o rosto. Olhei de novo. E lá estava o anjo dourado sorrindo para mim.

Fechei os olhos e dormi.

Quando o dia amanheceu, o anjo havia sumido.

Será que foi um sonho? Uma premonição?

Foi bonito, e se eu pudesse, pediria que ele retornasse mais vezes e invadisse minhas noites insones.

Cheguei ontem de Florianópolis com uma missão.

Cuidar da minha mãe idosa.

Com quase 84 anos, chegou aquela hora de inverter os papeis.

Os olhos azuis caídos e sem brilho me alvejaram feito flecha:

Minha mãe precisa de mim.

O corpo emagrecido

As pernas bambas

A insegurança no andar e no falar,

o aquecedor ligado esquecido,

A repetição constante dos velhos e eternos assuntos,

Os esquecimentos, falhas e lapsos de memória

acionaram o alarme.

Hora de ser mãe de minha mãe.

Cheguei e encontrei-a sorridente na área em frente à casa:

“Vc veio com o Alfredinho?

O café está pronto, cozinhei milho verde e linguiça.”

“tudo que quero é comer bergamota do céu e te abraçar”

Saio do carro e vou ao encontro dela.

“Então eu também vou.”

Largo as sacolas no chão, 

coloco as poltronas no gramado

ao lado da bergamoteira no meio do pomar

entre o sombreado e os raios de sol das 14 horas, em plena quarta-feira.

Começo a colher minhas bergamotas preferidas. Do céu.

“Prefiro as pokan.” O pomar da casa de minha mãe é sortido e está farto. Encho uma cesta de bergamotas e conversas. A hora é do mais puro prazer.

“Estava contando as horas pra vc chegar.”

“Eu também”.

As três semanas passaram, muito foi feito. Outro tanto ainda por fazer. Como todo idoso, minha mãe desgosta de cuidadores, empregadas e faxineiras. “Só quando precisa”. Na casa da minha mãe precisaria de um exército ajudando. A casa e o jardim são enormes. Um cortador de grama e um jardineiro esporádico me ajudam a deixar o jardim mais ou menos em ordem. Como organismo vivo que é, o jardim está sempre fora das medidas e tem sempre planta renascendo e reivindicando espaço. 

Ao chegar, minha mãe, além de feliz estava nervosa:

Havia recebido duas intimações extra-judiciais (mas o judicial tirou-lhe o sono) para podar ou abater as plantas que colocam a rede elétrica de alta tensão em risco. 

E assim, seguiremos em frente: curtindo e resolvendo problemas.

O que seria da vida sem esta dupla?

Estudando a flora – o incrível universo das árvores

Depois de anos lendo e estudando o comportamento humano, decidi me aventurar pelo estudo das plantas. Repaginar o jardim da casa da minha mãe me fez estudar sobre o assunto, tipo: plantas que gostam de sol, as que preferem lugares úmidos e sombras, as mais resistentes, as permanentes, enfim … o paisagismo em si. Quando e como podar as plantas, como exterminar formigueiros e outras pragas, quando adubar, etcetcetc.  Apesar de radicalizar e colocar abaixo árvores e arbustos – comprei inclusive uma motosserra – minha relação com o reino vegetal é extremamente respeitosa. Abracei e pedi perdão a cada planta que mandei cortar; abraço árvores em parques pq sei da energia que captam ao longo dos anos/séculos/milênios e a distribuem gratuitamente. Elas dão trabalho, e mesmo assim, me divirto com elas. Então li “A revolução das plantas” do italiano Stefani Mancuso. A partir desta leitura comecei a me interessar mais e mais pela flora, o reino vegetal. Nada a ver com ecologia, mas sim com a sociedade das plantas/árvores e como elas escolheram evoluir e sobreviver de maneira muito diferente da fauna. Existem árvores com mais de 3000 anos. Animais, não. Foram extintos. E aí me deparo com uma viagem pelos sentimentos e escolhas das plantas. “A vida secreta das árvores” tem sido uma leitura incrível. Como as árvores cuidam uma das outras, como se comunicam, como se reproduzem e escolhem quem vai sobreviver e quais se transformarão em humus, etiqueta e escola no reino vegetal …. Bom pensar, refletir e caso se interesse, estudar. Já tenho uma lista de livros a serem adquiridos futuramente. Por enquanto este tem sido um tema inquietante que tem me intrigado muito. Pode parecer maluquice, mas muitas observações e conclusões de pesquisadores, tem colocado várias pulgas atrás das minhas orelhas.

Gosto disso. 

Assim como na psicologia nem tudo está visível aos olhos, mas está lá. Também no universo das plantas, o mesmo acontece. O ritmo lento adotado pelo reino vegetal nos faz perder processos de sobrevivência e adaptação. Muito acontece sob a terra ou acima das copas; elementos como fungos, pássaros, o vento, o sol, a chuva, aromas e cores participam ativamente na formação e adaptação das florestas. Ou sejam, existe um ecossistema complexo e pouco compreendido por trás da manutenção de árvores solitárias ou florestas gigantescas. 

Mudei. ??

Ao acordar, hoje pela manhã, como é de praxe nestes tempos esquisitos, peguei meu celular pra ver se tinha alguma mensagem importante. Nada. Tudo quieto. Então, presumo eu, está tudo certo com quem me cerca. Circulei rapidamente pelo Twitter, e também, tudo do jeito como está a um bom tempo: tudo certo. Fui pro Facebook e vi uma postagem que achei interessante. Neste momento, minha filha liga da Austrália e ficamos conversando durante uma hora. Tomei meu café e retornei ao Facebook: queria postar a mensagem, supostamente de Cora Coralina. E cadê? Sumiu. Procurei de cima abaixo, de baixo acima, fui no Google, e nada. 

Mas enfim, o post dizia mais ou menos o seguinte: mudei tanto que quase não me reconheço e quem me conhecia, vai me redescobrir outra. 

Uma verdade incômoda. 

Melhorei ou piorei? 

Passei o dia com este questionamento na cabeça. 

Mudei. E mudei muito.

Me adequei a um novo momento, um novo lugar, uma nova situação. Superei crises e decepções, abracei novos caminhos, perdoei, afastei muitos, assumi o que desabrochou de mim. 

Melhor ou pior?

Diferente. Novo. Inusitado. 

Me gosto assim.

Nada a ver com a pessoa que eu era há uma década.

Percebi que ao longo desses 61 anos, dei vários cavalos de pau na vida. Rodopiei muito. Me transmutei assustadoramente. E de novo: 

Pra pior ou pra melhor?

Apenas mudei. Me adaptei. Aprendi novas lições. Abandonei muitas futilidades. Simplifiquei minha vida. Priorizei novas necessidades. Abandonei o que não me pertencia mais. 

Me gosto assim.

E quem me conheceu em outros tempos deve ficar chocado/a com minha mudança. Tô aprendendo a lidar com isto também. Quando descobrem quem eu me tornei, imagino que o choque passa. E vem outro. Como e por que eu mudei tão drasticamente? 

Porque foi necessário. Porque eu queria. Porque eu podia. A vida tem sido generosa comigo, apesar dos solavancos. 

Cheguei à conclusão de que tudo é mais simples do que acreditamos ser. Descomplicar tem sido meu lema de vida. De dramas familiares à escolha de um chinelo Havaianas para ir à casa de uma amiga, das brigas com o marido ao corte de cabelo. 

Às vezes me olho no espelho e penso: preciso caprichar mais, estou muito relaxada e desligada. Saio do quarto e sigo em frente. 

Tô bem demais. 

Sou o que posso e quero ser. E isso me basta.

Mais que suficiente.

Um fim de semana como o diabo gosta

Estou na casa da minha mãe há duas semanas, mais ou menos. Acho. Ando perdida nos dias e semanas. Como trabalho online, pouco importa onde estou: desde que tenha internet. O alarme diário me avisa dos compromissos profissionais. 

Vim para me organizar com uma mãe idosa, adequar a casa dela a este novo ciclo, simplificar os ambientes, falar com o médico, contratar alguém para o pernoite, trocar o chuveiro, definir qual plano de telefone fixo/celular/internet contratar, providenciar a poda e abate de plantas notificadas pela companhia elétrica, preparar o jardim e a casa para o inverno, organizar os armários, as roupas, lavar os tapetes, descer os aquecedores, conversar, fazer companhia, UFA …. enfim, ando atribulada. 

Resolvi passar o fim de semana na nossa recém desalugada casa. No carro, o bagageiro foi cheio de lenha pra queimar na lareira. Livros e lãs. E água. A ideia é deixar minha mãe descansar da minha presença e eu da dela. Ambas precisamos de um descanso. 

Mas, principalmente me acalmar. A vida segue seu curso e não tem como frear nem puxar o freio de mão. 

A casa está absolutamente clean. 

Não tem nem fogão, nem geladeira, nem televisão, mas tem cama e cafeteira. 2 sofás. Mesa e cadeiras. Lustres e telas, móveis embutidos vazios, um piso de tacão de cumaru, um jardim que adoro. Tem o básico para passar alguns dias. Mas tem o essencial:  uma energia vital para me abastecer e me restabelecer + silêncio e solidão.

A casa desalugada e agora à venda, fica a uns 20 km da casa da minha mãe. Fui direto ao supermercado me abastecer para o fim de semana. Vinhos, frutas e todas as guloseimas que faz tempo não compro. Decidi que eu merecia e extrapolei.

Assim, sábado foi dia de comer “porcaria”, beber um vinho caro “porcaria”, ler livros leves e fazer crochê. Desisti de revisar textos e escrever. Desisti de livros densos e teóricos. Basicamente fiz tudo isso, entre um cochilo e outro. Só acordei de fato, quando já era hora de dormir de verdade.

Optei por 2 releituras: “Poder, estilo & ócio, de Joyce Pascowitch (futilidades e curiosidades) e “A mão esquerda de Vênus” de Fernanda Young (poesia). “As coisas que você só vê quando desacelera” de Haemin Sunim, foi a novidade deste fim de semana light. Auto-ajuda budista.

Me empanturrei de prazer. 

Descansei.

Dormi muito. 

Sosseguei.

Agora é seguir em frente. Tem muito ainda por fazer e acontecer. 

Certeza de que estas pausas são fundamentais. 

Uma nova cadeira repaginada

Ou seria uma poltrona customizada?

De fato, fato mesmo, é que o resultado da maltrapilha me inspirou a recuperar mais esta cadeira/poltrona Portilínea que encontrei no depósito da casa de Lajeado. Esta cadeira era da minha sogra. Por algum motivo acabou na minha casa. Possivelmente foi renegada por todos os herdeiros e como havia espaço suficiente na minha casa, e cadeiras de menos para sentar, acabei carregando o cacareco dobrável para qualquer emergência. Os inquilinos a jogaram no depósito e lá ficou durante os últimos anos. Quando a casa foi desalugada reparei na cadeira. Queria uma cadeira confortável para fazer minhas leituras e admirar a vista do Vale, do janelão da minha casa. Ela era uma possibilidade. Levei-a à sala da casa e a deixei para ser contemplada e estudada.

Não sabia exatamente por onde começar, nem o que fazer. Sabia apenas que queria algo totalmente diferente da maltrapilha. As linhas retas sinalizavam algo mais linear, clean, neutro. Havia recém comprado os 2,5Kg de lã para fazer a manta do ano. Diferente dos anos anteriores optei por cores mais sóbrias. A primeira ideia era revestir a cadeira com a lã verde mesclada na frente, e no verso, a lã verde-escura. Não havia lã suficiente. Aos poucos fui imaginando uma cadeira feita com retalhos retangulares de crochê. Sobriedade nos tons verdes e marrom, a cor roxa que adoro e o amarelo para contrastar e avivar o conjunto. 

Costumo dizer que sei apenas 3 pontos de crochê: baixíssimo, baixo e alto. Tirei as medidas da cadeira e comecei a crochetar em ponto alto sem projeto definido. Sabia penas que queria algo diferente: nada de quadrados ou listras. Aos poucos a ideia foi surgindo. Precisava resolver o problema da espessura de espuma da cadeira. Comprei 50 cm de espuma, e voialá!!!!!!

Amei o resultado da cadeira/poltrona.

Pena que não consegui desatarraxar os parafusos pra fazer os acabamentos corretamente. Aguardando a chegada do maridão e da parafusadeira para fazer os ajustes necessários e dar a empreitada por encerrada. 

Setting Terapêutico 1

Ando buscando palavras e reações para esta fase da Nova Psicologia. Tenho feito sessões online com pacientes amamentando, caminhando, andando de bicicleta, de carro, paciente ralhando com o filho, com o cachorro, outro cumprimentando conhecidos em meio à caminhada, à noite num banco qualquer de qualquer praça, meditando na areia da praia, enfim … qualquer lugar é lugar pra se reencontrar terapeuticamente.

Na última sessão, com o paciente pedalando ao entardecer, comecei a me sentir meio estranha. Aquele movimento todo me deixou meio tonta, meio pensando no que era aquilo. Pedi que voltássemos ao trivial básico do nosso setting: ele no escritório da casa dele, eu no meu consultório, na minha casa. Meu paciente não é mega ocupado. Meu paciente apenas não se sente tranquilo para conversar comigo, estando em casa. Seu receio é de que alguém ouça sobre o que falamos. Poderia dizer que ele é um paciente sem teto. Quantos outros existem por aí, desconfortáveis para lidar com seus sentimentos e conflitos dentro da própria casa? Minha agenda que o diga: se o futebol falhar, se a esposa chegar mais cedo do trabalho ou da aula de tênis, se as crianças não tiverem aula, se a reunião antecipar, enfim, vou ter de remarcar a sessão para outro horário compatível com a casa ou escritórios vazios dos meus pacientes.

Afinal, nem todos temos espaços adequados para este momento sagrado e essencial que é o ato terapêutico.

Afinal, nem todos podemos falar aberta e livremente sobre sentimentos e conflitos dentro da própria casa. Uma pena.

Chá com a vó Anitta

Chá, café ou leite?

Tanto faz.

O jogo de prata pobre é antigo.

Precisa de lustro, Brasso e braço. Força.

O brilho ressurge.

Querida filha, este jogo singelo era de sua bisavó Anitta.

Sua avó e eu separamos para você,

assim como separamos 2 cadeiras Thonart

para seu irmão.

São heranças de família. 100 anos de história.

Esperamos que permaneçam na família

por mais 100 anos. Pelo menos.

Que as novas gerações jamais esqueçam 

dos antepassados que passaram por aqui,

deixando algo para nós.

São objetos, utensílios e móveis

carregados de energia e história.

A nossa história.

O que será dos nossos livros?

E pensar que tudo começou quando li que Susan Sontag vendeu sua biblioteca com 20 mil livros por 1 milhão de dólares. Depois soube que a biblioteca de Alberto Manguel tinha 35 mil livros. Soube de outros escritores e colecionadores de livros que tinham entre 3 e 5 mil livros em suas bibliotecas paticulares.

Fiquei curiosa.

Quantos livros tem na minha biblioteca? 

Não contabilizei nem revistas, livros infantis (deveria, pois aí estão Moby Dick, O diário de Anne Frank, Robinson Crosué, O mundo de Sofia, entre tantos outros clássicos) e os livros técnicos de engenharia do meu marido.

Depois do faxinão anual que costumo fazer, tirando a poeira, limpando com pano úmido e depois seco e depois deixando respirar ao sol, decidi contar a quantidade de livros que amealhei ao longo da minha vida: são livros técnicos de Psicologia (uma biblioteca bem sortida, fruto da formação e 3 especializações. Polpuda, e certamente, desatualizada), livros de culinária, as obras de Freud, livros de viagens, literatura nacional e internacional, livros de poesia, contos e crônicas, entre tantos outros, escritos por amigos, presentes, livros bons, lidos e não lidos. Lembrei de vários livros emprestados e perdidos na vida.

Contei 1.200 livros aproximadamente. Destes devo ter lido mais da metade. Certamente.

Sei do trabalho que foi, é e continuará sendo, organizá-los e deixá-los saudáveis (livres de poeira, umidade, bolor, cupins e traças). Fico imaginando o estado destas bibliotecas com milhares de exemplares!!!!Quem e como cuidam delas? Uma missão colossal.

Quando infartei, no começo de 2022, à medida que ia me recuperando pensei no destino da minha biblioteca, caso tivesse partido. Segundo Miguel Sanches Neto, escritor paranaense, em seu livro “Herdando uma biblioteca”, recentemente relido, o pior inimigo de uma biblioteca são os herdeiros.

Meus filhos.

Chamei-os para uma conversa séria e ambos concordaram em não vendê-la a um sebo. O combinado é que ela seja doada para a biblioteca pública da cidade onde nasci e cresci.

Minha preocupação agora tem sido o destino das telas “à la Pollock” que revestem as paredes de minha casa. São dezenas de momentos e emoções únicas. Não que eu pretenda partir em breve, mas, o que será delas, quando eu partir? Meu ímpeto artístico e literário tem balançado com as possibilidades de destinação daquilo que me é tão precioso. 

Imagino que não esteja só nesta apreensão

Por ora, continuo incrementando minha ainda biblioteca. Amo os livros, sua companhia, a diversão, o conhecimento e as viagens literárias que cada um me proporciona. 

Se hoje não empresto nenhum livro à ninguém, no futuro, meus livros serão de todos.

Dia de colheita

Domingo de sol.

Dia de caminhada e coleta de conchas.

Adoro este processo.

Adoro este tipo de caminhada.

O olhar é de águia.

Minha nova amiga Miriam alertou:

“Há poucas conchas nesta manhã.”

Tudo bem.

No horizonte, lá longe, vi nuances de 5 golfinhos

Mergulharam. Sumiram.

Mudei de direção.

Deparei-me com pedaços de estrelas do mar. Catei.

Caminhei com minha calça de gorda. Presente de Bali.

Abaixar e levantar fica mais fácil. 

A colheita exige.

Enchi o bolso com tudo que encontrei.

Meu marido voltava da corrida e me falou algo.

Não entendi.

Dei meia-volta. De novo.

Meu amigo Sérgio também me alertou:

“Suzete tem muita concha em frente ao Jurerê Beach.”

Parece que todos meus amigos sabem o que vou fazer na praia. 

Caminhar ou catar conchas?

Dei meia volta de novo.

O mar foi generoso.

50 metros de conchas de todos os tamanhos e matizes.

Enchi o bolso. 

Acompanhei Sérgio até sua saída e retornei.

Fui ao encontro da fartura.

Me fartei feito criança.

As primeiras cerâmicas de 2023

Dia de retomar as aulas de cerâmica. Foram 2 meses de ausência … fiquei feliz ao ver que os 6 primeiros “bowls” feitos no torno eletrônico passaram pela primeira queima. Em agosto, começa a fase de esmaltação e acabamentos.

É quando a peça fica pronta para uso. Os 3 potes feitos no torno eletrônico hoje, foi catastrófico. Obrigada a professora Vânia que se puxou pra levantar as peças que rumavam pra queda vertiginosa. Vou ter de ser mais assídua nas aulas.

Retomei a técnica do acordelado e iniciei um novo trabalho, que ainda é projeto. Tem cara de pote, mas devo subi-lo e fazer um vaso, talvez uma luminária, um porta velas. As possibilidades são muitas. E deve ser nesta toada que devo prosseguir: insistindo na aprendizagem do uso do torno eletrônico, e revisando técnicas quase dominadas. Assim, saio das aulas menos frustrada.

Organizando livros

“Aproveitem o espaço, 

este sol maravilhoso,

jájá voltam todos para a biblioteca”

– escura, empoeirada e apertada –

“Gostaram dos companheiros da noitada?

Sinto dizer, mas a maioria volta pro mesmo lugar,

com o mesmo companheiro do último ano.”

Minha empregada ri.

“Tá rindo do que?”

“Da senhora falando com seus livros.”

Dou-me conta de que ando falando com gente esquisita:

plantas, animais, livros, a casa que me cerca, o mar, o sol, a lua, as estrelas, as conchas…

isso quando não estou falando comigo mesma.

De qualquer forma, amo estes monólogos imateriais.

Coisa de gente louca, para alguns

Coisa de gente sozinha, para outros.

Tá tão complicado dialogar com as pessoas!!!!!

É quando organizo meus livros que fico mais preocupada:

Sei que os li – a grande maioria – mas não lembro de tê-los lido.

Nada que leio me soa familiar.

A genética familiar para Alzheimer me assombra.

Ao manusear o livro “Para sempre Alice” de Lisa Genova sinto calafrios.

Não sei se por ter assistido ao filme e lido o livro, mas

lembro de detalhes da história que aborda a doença degenerativa de uma profissional jovem e dinâmica.

Em parte, leio muito, pois sei que a leitura é um dos melhores exercícios para ativar a memória.

Mesmo assim, esqueço.

Penso em reler alguns títulos. Desisto.

Minha amiga Mônica, enfática, dizia:

“Tem livro bom demais para ler. 

Pra que perder tempo com livros ruins?”

Parafraseando minha amiga:

Pra que perder tempo com livros que não deixaram nenhuma marca? Nenhuma pista?

Melhor ler os novos.

E o que fazer com as revistas?

A coleção de revistas Cláudia e Viagem – de quem fui assinante por anos – foi doada. Várias revistas, livros escolares, de publicidade e de leituras obrigatórias também. Presídios, escolas e creches certamente aproveitaram as caixas recheadas. Mantenho minhas revistas Casa Vogue.Não consigo me desfazer delas. De tempos em tempos, distribuo alguns exemplares pela casa:

A decoração é atemporal. A Casa Vogue também. Os olhos se enchem e a casa se enche de novas e antigas imagens e ideias. É esta a ideia de decoração vibrante e atemporal que me formou decoradora. Reviso meus conteúdos de x em quando. De olho nas antigas Casa Vogue. Será que ainda são publicadas?

Livros de poesia. Adoro. Pra ler num vapt vupt.

Tem poesia que precisa ser relida: 

uma, duas, três, tantas vezes forem necessárias.

Decidi esparramar poesia, arte e decoração por toda casa.

Livros, livros, livros e mais livros.

Uma poesia por dia? E pq não?

São tantos livros …

Quem sabe o desafio tome jeito. Vou tentar.

Assim deixo esta turminha respirando por mais tempo.

Vou poetizar.

Terceiro dia entre os livros: Cansei.

Olho na mesa ao lado: continua empilhada de livros.

O escritório/biblioteca continua um caos. 

Sabe quando bate aquela apreensão?

Me informaram que amanhã chega visita. Sinto muito,

vou logo avisando. Vão ter de conviver com meus amigos desencarcerados e esparramados pela casa.

Meu marido diz que não dá. Nem ele consegue conviver com esta desarrumação.

Problema dele.

Se é pra juntar amigos, que todos se respeitem.

Posso garantir espaço nas poltronas. 

As mesas já estão ocupadas.

É nesse ponto que me perco. 

Nas últimas prateleiras. Nos últimos livros:

tem indiano, sueco, alemão, sul-africano, sudanês.

Tem tudo e todos.

Tudo vira uma grande salada de estilos.

Tem livros bons, livros da adolescência, da época da universidade, tem livro que nunca li nem vou ler, livros abacaxis, tem pra todos os gostos e maus gostos também…

Como ajeitar todo este povo?

Assim como gente, 

tem livro que não se adapta, nem se encaixa.

São únicos. Excepcionais?

Não necessariamente geniais.

O fim de semana foi de caminhada, conversa com os amigos, pizza, descanso.

A biblioteca está hibernando. 

Alguns livros continuam nas mesas respirando e aguardando.

E eu me calibrando. Tem muito ainda a fazer.

“Poemas” de T.S. Eliot tem me acompanhado.

Ando boiando nas poesias de 1920. 

Leio e releio, releio de novo.

Minha leitura de respiração. 

Respiro e leio. Bóio entre as linhas.

Respiro.

Certeza de não precisar comprar mais nenhum livro.

Há muitos ainda para ler, muitos pra reler.

Enquanto der, reponho.

Colinas agradece.

Quando eu morrer, a pequena cidade onde nasci,

herdará minha biblioteca. Testamento pronto.

“Encaixotando minha biblioteca” de Alberto Manguel

me inspira,

 e CÉUS, a biblioteca dele tinha 35.000 livros

– 15.000 a mais que Susan Sontag –

desumano e divino. Acho.

Esta biblioteca estava instalada num celeiro, no interior da França, onde ficou por mais ou menos 15 anos.

Alberto Manguel foi morar num ap em New York.

Que destino foi dado a estes livros?

O fim desta empreitada literária é uma viagem:

livros trazidos de todas as partes de mundo, livros de viagem, mapas, guias da Folha de São Paulo, etcetcetcetc

Livros dos meus filhos. Kevin &Haroldo, Onde está Wally, Uma história por dia, Cinderela, Mobby Dick, A Bela Adormecida …

Retirei adornos e decorações.

Apaixonada pelo clean do espaço. 

Enfim, limpo. Organizado.

(Vislumbro as gavetas, material de papelaria, documentos, pastas, cartões, papeis, equipamentos antigos. Esta parte não me pertence. Irritada com o agito que me cerca. Rita Lee morreu. A tristeza é avassaladora. “Herdando uma biblioteca” de Miguel Sanches neto será meu companheiro do dia.) 

Quando o terapeuta se deprime – 1

Pode parecer um tema espinhoso. É e não é. Porque o terapeuta é gente como a gente. Passa por perrengues, perdas, decepções, se entristece, adoece. O terapeuta também se deprime. Consulta terapeuta, psiquiatra, médico, toma medicamento, faz tratamento. Assim como dentista tem cárie, médico tem câncer, advogado pode ser processado e por aí vai.

Já tive crises de depressão, ansiedade, angústia. Já fiz tratamento e acompanhamento médico/medicamentoso e psicológico. 

Quando fui surpreendida pela primeira crise – e lá se vão 20 anos – entendia o que estava acontecendo, mas não compreendia. 

Como? Pq eu?

Hoje, pressinto a nuvem negra se aproximando, a energia se esvaindo, a tristeza puxando a cadeira, o desânimo levantando pesos. Compreendo todo o processo e o aceito como ser humano. Imagino as causas, amaldiçôo meus hormônios, repenso a vida e os sentimentos. Procuro o fio da meada. É através da própria dor que entendo a dor do outro. Quando o terapeuta se deprime ele alcança a depressão do seu próprio paciente. Passa a entender o espanto, as dúvidas e questionamentos. 

Torna-se humano, demasiado humano, como diria Nietsche. Torna-se psicoterapeuta com P maiúsculo. Nem sempre a experiência nos torna melhores, mas a vivência, sim. 

Não tenha vergonha de reconhecer o processo que se inicia, que crava as garras, que escurece os dias e tira o colorido e a vivacidade de estar bem. Quanto antes você reconhecer quem está dando o ar da graça e souber nomeá-lo, melhor. 

Mas, jamais esqueça: tristeza não é depressão.

Busque ajuda profissional para conseguir distinguir uma da outra. Ficar triste faz parte de existir. 

Depressão é doença. Tem tratamento e cura.

Busque ajuda.

Não sei o que acontece comigo

De repente, todas as minhas vontades, desejos e projetos evaporaram, sumiram, escafederam-se.

A vontade é de dormir, ler, caminhar na beira da praia, coletar conchas, conversar, comer pouco, deitar, dormir, acordar, olhar o relógio, que horas são, o que vou fazer? Vontade nenhuma de nada.

Desisti de fazer o pijama do flombayant aqui de casa. Trabalhoso demais. Enrolado demais. Demais demais e tudo o que quero é de menos.

Comecei um crochezinho básico para fazer uma capa para uma antiga cadeira de jardim que encontrei na casa de Lajeado. Ela é confortável e o trabalho só vale por causa disso. Mal iniciei e já estou medindo os 5 centímetros trabalhados como se já estivesse nas carreiras finais.

Andava tão bem, tão animada, tão cheia de ideias … peguei uma dengue que me virou do avesso e descobri uma senhora preguiça incorporada em cada pedacinho do meu ser.

Abandonei, temporariamente, meu curso de cerâmica. O torno elétrico que fique onde está. Estou de má vontade com ele. Quando ficar de bem, remarco minhas aulas.

Talvez devesse sair mais de casa, conversar com pessoas diferentes, ver coisas diferentes, comprar novos livros, ir ao cinema, passar a tarde no shopping – sem vontade – tenho me contentado com as caminhadas a beira mar … pelo menos, descobri meia cartela de fluoxetina, ainda no prazo de validade, de uma fase baixo astral de um ano atrás. A sensação de rastejar me deprime. Devo melhorar. Ando lendo com certa regularidade. De tudo um pouco.

A dengue, caros senhores, é uma destruidora de projetos e sonhos. Tudo engavetado.

Escrevo pouco, quase nada. Nas minhas caminhadas surgem várias, muitas ideias. Elas fogem assim que entro em casa.Trocamos de empregada de novo. Ando cansada desse troca-troca e da casa enorme onde moro.

Saudades do jardim da casa da minha mãe. Saudades da minha mãe. De colo de mãe. Saudades do sul.

Exausta do barulho de obra que me ronda. Esgotada com martelos, serras, gente, agito, caminhões.

Acho que é a dengue. Vão fechar 3 semanas que o mosquitinho me picou daqui a 2 dias. Eita bixinho poderoso esse mosquito. Convivo com este eu desmotivado há quase um mês. Não me gosto assim. 

Tenho de expulsá-lo das minhas entranhas.

Doença me intimida e suga minhas energias. Até clinicar tem sido exaustivo.

Vou melhorar.

Vou.

Vou melhorar.