A semana que passou.

Ainda bem.

Assisti Prometheus e sua ideia de engenheiros da criação. Haja criatividade e crueldade na concepção do que seria a gênesis do Universo.

Amanheci com a notícia de que a delegação da Chapecoense + convidados + jornalistas caiu próxima ao Aeroporto de Medellin, na Colômbia. Comoção mundial. Emoção, dor e incredulidade. Convenceram-me de que “todo conto dá conta”: O ferreiro e a tecelã + o conto da verdade = Mulheres que correm com lobos. Preciso reler o clássico de Clarissa Pinkola Estés. Concluí que a dança circular – para mim – é puramente meditativa. Disseram-me que os chacras são como vórtices de energia. E assim, através do chacra ligado ao coração (não me perguntem o nome que se dá ao dito cujo) fizemos um exercício meditativo enviando energia, consolo e amor para as vítimas, familiares e a cidade de Chapecó. Depois de mais uma noite alternativa no espaço da Cida, em Jurerê, confirmei que esta tribo ainda me é bem estranha. Desconfio que voltei ao modo de funcionamento estressado de ser e estar.

Aquele avião que caiu, caiu por uma pane seca: FDP do empresário/piloto, que pra economizar, não respeitou sequer a autonomia de 3000km que a aeronave tinha, nem solicitou pouso antecipado pra não ter de pagar multa. Morreram 71 pessoas. Indignação e revolta. Ódio da ganância e da petulância humana.

Namoro, vinho, briga, insônia. Quando a crítica extrapola, a vontade é de não existir. Fugir. Desaparecer. Qualquer dia destes.

O sol da 5a convida a um passeio na praia. Minha lombar olha para as conchas e deixa passar. Nem elas convencem meu esqueleto a se curvar. Aliás, disseram-me dias atrás, que o que determina ser idoso ou não, são as articulações. OK. Sou uma senhora milenar. Já em casa, de novo, minhas plantas me encaram e imploram por comida: andam todas tão mirradinhas! Lá vou eu fazer papinhas e sucos de adubo, já que areia é pobre pobre de maré de si. O texto sobre kairós e chronos continua perdido no espaço. A tarde é de atelier. Leitura. Escrita. Quem sabe fisgue os tempos perdidos por aí.

Também não quero mais me curar do que sou. Li algo assim no livro “A mão esquerda de Vênus” de Fernanda Young. Descobri que quanto mais leio a mesma poesia – ou o mesmo livro – mais gosto e entendo do babado. Por isso vou reler o também inacabado livro “Toda Poesia” de Paulo Leminski. Enquanto isso, chronos e kairós continuam enigmáticos, e a cada minuto, mais urgentes. Procrastino com a pilha de livros em couro verde de Casanova. Dou uma espiada nas páginas amareladas e me convenço de que a leitura combina com o frio do inverno, com tardes chuvosas e solidão. E isso, parece que vai demorar. E o fim de semana chegou. A Jornada Arteterapêutica também: Para viver o tempo fechou um ciclo. A formação em Arteterapia está praticamente concluída. Elogios, feedbacks, gente nova, querida, diferente. Hora de pensar no que vem a seguir. Depois do ciclone avassalador e 12 horas sem energia elétrica, o almoço foi na Comunidade Católica. Jurerê quer uma igreja pra chamar de sua.

E eu, uma cama. Ainda bem que a semana passou.

Por que sair de casa

As novas gerações pouco brigaram com as gerações mais velhas. Pouco precisaram conquistar! Estão ganhando tudo de mão beijada. Quem não ouviu estas expressões? Afinal, com toda a liberdade e mordomias que tem na casa dos pais, por que sair de casa? A pergunta é simples. A resposta mais complicada. A realidade é esta em muitas famílias que também se questionam: Porque nossos filhos devem sair de casa, quando é mais econômico, seguro e afetivamente mais tranquilo que eles permaneçam em casa? Antigamente, se é que se pode ir tão longe no tempo, sair de casa era uma conquista. Com ela vinham outras: o primeiro emprego, a primeira casa (quem se importava em viver num muquifo sujo e desconfortável?), a liberdade de ir e vir sem dar explicações a ninguém, as primeiras experiências sexuais. Era ter a vida nas próprias mãos. Com todas as mudanças sociais e culturais, estas deixaram de ser conquistas e passaram a ser garantias que muitos desfrutam sem qualquer esforço: o emprego é servir de motorista, de companhia ou de cola para o relacionamento conjugal. O que dizer sobre sexo e liberdade para ir e vir? Conforme a classe social, tanto uma como outra, começam cedo demais, quando nem corpos, nem cabeças estão prontos. Os pais não apenas permitem, como estimulam estes comportamentos. Justificativas explicam o inexplicável. Mantemos nossos filhos infantilizados e agarrados a nós até não os aguentarmos mais. Permitimos que fiquem conosco, enquanto nos convém, enquanto não estamos prontos para jogá-los do ninho e lançá-los ao mundo. Temos medo da nossa cria. Estará ela pronta para os desafios da vida? Saberá sobreviver sozinha? Não suportamos a dor deles. E assim, covardemente, delegamos a eles o sofrimento do corte do cordão umbilical. Esta necessidade um dia surgirá. Para muitos o corte derradeiro será a morte dos pais protetores. E assim, pela primeira vez sozinhos, tornam-se duplamente desamparados: perdem ao mesmo tempo os pais e a vida vivida até então. Sobra pra eles a árdua tarefa de viver e sobreviver por conta própria – sem estarem preparados – já que não poderão mais desfrutar da sombra fresca patrocinada pelos pais.

Quando meus filhos chegaram nesta fase, meu lado mãe falou mais alto que o lado psicóloga. Não fosse o pai, talvez nossos filhos ainda estivessem em casa conosco. Segundo ele, na natureza os pais jogam os filhotes dos ninhos para que eles aprendam a voar. Deveríamos fazer o mesmo. Eu alegava que eles ainda não estavam prontos. Com mais ou menos traumas ambos saíram de casa e ganharam o mundo. Meu lado psicóloga acabou falando mais alto, permitindo que meus filhos se tornassem adultos livres e responsáveis. Prontos pra agarrar a vida com as próprias mãos.

 

 

 

Você é fiel?

Dias atrás reli um artigo – que escrevi para um jornal – sobre infidelidade feminina. Assunto espinhoso e cavernoso. Qual teria sido o melhor enfoque: O psicológico, o afetivo, o científico, o jurídico, qualquer um, todos? Como abordar a monogamia, a poligamia, os casamentos modernos em meia folha de jornal?  Divagando sobre o assunto, sem restrição de linhas e sem o enfoque conjugal, pensei no que realmente entendo por fidelidade. Conheço homens que não conseguem ficar muito tempo com a mesma mulher, mas são fiéis a uma mesma marca de carro ou eletrônicos, do tipo “Aqui em casa só entra Wolksvagen e Sony”. Sem falar na fidelidade com o time de futebol ou os próprios amigos (afinal, homem não entrega homem)!! Conheço mulheres que apesar de fiéis a seus maridos e namorados trocam o tempo todo de empregada, cabeleireiro, marca de margarina, extrato de tomate, iogurte. Sempre acreditando que o outro (ou outra) podem ser melhores do que o que tem ou conhece. Quantas pessoas conhecemos que sonham ou desejam o vizinho, o dentista, médico, ator, atriz de televisão ou jogador de futebol, mesmo estando muito bem casados ou acompanhados?

Somos infiéis quando desejamos o novo, o diferente, o desconhecido? Quando exercitamos nosso equipamento sensorial e nossos desejos? Dando asas à imaginação? Soltando fantasias reprimidas? Avaliando possibilidades? Pesando e medindo realidades?

Porque não! É difícil ser fiel? Quem trai mais: o homem ou a mulher? Perguntas espinhosas para uma resposta escorregadia: depende. Depende de quem somos, do que queremos e no que acreditamos.

Conhecendo-se verdadeiramente, saberemos ser fiéis ao que realmente importa.

                                                                                    Los Canales, outubro de 2006.

Paixões Impossíveis

Adoro me apaixonar! Pouco importa o que desperta minha paixão. A sensação excita, tem poder de tirar sono e apetite e dar velocidade máxima à vida. O efeito reparador e restaurador é mágico, universal, interplanetário, transcendental. Surpreendente.

Quem nunca se apaixonou por um vestido novo, uma bolsa gloriosa, um sapato divino, um carro fantástico, um ator maravilhoso?

Me apaixonei por Will Turner, personagem de Orlando Bloom, em “Os piratas do Caribe” 1, 2, 3 e todos os outros que vieram depois. Sim, me apaixonei por um pirata capaz de tirar o coração do peito, guardá-lo num baú e dá-lo a sua amada para ser seu guardião por toda eternidade. Certos personagens e cenas somem com nossas preocupações por minutos, horas, dias. Depois – passado o encanto, bobeira, delírio – desabamos na realidade da vida. É quando percebemos que aquele vestido novo não cabe nem no  corpo nem no orçamento, assim como a bolsa gloriosa, que tampouco combina com nada do que temos – inclusive o preço, definitivamente indecente – é quando aquele sapato divino e torturante nos eleva a todas às alturas. Quanto ao carro fantástico? Melhor permanecer na categoria Paixão Impossível.  Quanto ao ator fantástico – minha paixão momentânea – ele é apenas um personagem de ficção, um pirata que merece um parágrafo à parte.

Além de lindo e sedutor, é um charmoso apaixonado muito romântico. Capaz de tudo pra salvar e estar com sua amada. Capaz de trair, matar e morrer. Para ele vale tudo para mostrar o quanto seu amor é importante. Quem de nós – reles mortais – anda carente de magia e fantasia? Quem teria coragem de dar o coração – ao outro para ser seu guardião – com poder de decidir entre a vida e a morte? Do que seríamos capazes para estar e ficar com o outro? À minha volta vejo homens e mulheres lindos desfilando poder e autossuficiência. Qual deles seria capaz de abrir mão da carreira, conforto, mesada, corpo torneado, conta bancária polpuda mantida com dedicação quase absoluta, apenas para ficar com a pessoa amada? Quem seria o louco maravilhoso, apaixonado e romântico que daria seu próprio coração à amada?

Sem medo, pois o amor selado entre duas pessoas deveria ser assim. Sem medo.

Felizmente, ninguém precisa arrancar o coração e dá-lo ao outro. Seria imprudente e humanamente impossível. Criaram-se outros símbolos representativos da união, entrega e vínculo entre dois amantes. Uma singela aliança. Mas, como vivemos num mundo real – imune à magia e fantasia – nosso símbolo passou a representar poder, aprisionamento, jugo. Pobre de nossas alianças perdidas ou tidas como perigosas ou tão escondidinhas, entre enormes pedras e outras argolas de maior brilho que ela própria. Seu brilho deveria ser único e reinar majestosa e orgulhosa em nossos dedos anulares.

Enquanto vivermos num mundo que se envergonha do amor, suas manifestações e símbolos, possivelmente continuaremos nos apaixonando por personagens loucos, apaixonados, capazes de matar e morrer por amor. Por roupas, bolsas, sapatos, carros, computadores …

Pessoas de verdade são muito mais apaixonantes. Podem ser paixões de longa duração. Podem ser  momentâneas e passageiras. Podem durar a eternidade da vida ou do sentimento.

Deveriam, tão somente, enfeitiçar e trazer magia à nossas vidas, tornando-se paixões possíveis de tão impossíveis.

 São Paulo, novembro de 2007.

Sorte

Minha sorte está em ser mulher, de poder sentir a vida de forma intensa e verdadeira, de poder chorar sem sentir vergonha, de cometer enganos sem sentir que era obrigação acertar, sorte por me perceber e me olhar diariamente no espelho e achar que estou bem, sorte por eu ser feliz como sou, sorte por me permitir ser e pensar assim, sorte de ter a família na qual me criei e criei, nos maravilhosos pais separados que me ensinaram que o mais importante na vida é ser feliz, que a felicidade somos nós quem construímos, pelos irmãos que acreditam e lutam por sonhos de uma vida melhor, mesmo sabendo quão difícil pode ser, sorte pelo marido e filhos lindos, amorosos e dedicados, cada um num momento novo, vivendo humanamente estes momentos: rindo, chorando, brigando, com desespero e alegria, mas acima de tudo, vivendo com emoção e intensidade, sorte pela casa cheia de nós, cheia de amor e amparo, nosso Shangrilá, onde zeramos o que nos incomoda, onde recarregamos nossas energias, sorte pela saúde de ferro que me permite fazer o que quero e quando quero, sorte pelo trabalho que tenho e adoro, por conviver com pessoas cheias de histórias e sentimentos, sorte por…… tudo!

Talvez a maior sorte que devemos almejar seja perceber tudo que podemos ter e ser. Basta trocar o ângulo ou os óculos! A lente pode estar fraca ou forte demais, fora de medida.

Quanto à outra sorte – aquela que todos apostamos – sinto informar, apenas uma cesta de roupa íntima, da qual sequer lembro, e um perfume, que idem, não lembro qual foi, nem mega-sena, loteria, prêmio …

Lajeado, julho de 2007.

Aprendendo com os outros

Existe um ditado alemão que diz mais ou menos o seguinte: esperto é aquele que aprende com os erros dos outros, inteligente é aquele que aprende com os próprios erros e burro é aquele que não aprende nem com os próprios erros nem com os erros dos outros. Já fui esperta, inteligente e burra. Tenho tentado ser o mais esperta e inteligente possível. Quando insisto naqueles erros inadmissíveis, dando uma de burra, me consolo dizendo que foi por causa da minha teimosia taurina ou culpa da minha determinação alemã. Não que isso diminua o impacto ou o estrago do erro, mas poupa minha autoestima, a esta altura sensivelmente abalada. Aprendi com meus próprios erros que devo sempre: acreditar em mim, na minha capacidade, intuição e instintos; evitar tomar qualquer atitude radical por impulso; ouvir uma segunda, terceira, quarta … opiniões médicas quando desconfio do diagnóstico ou do tratamento; evitar sair às compras quando estou de mal comigo/mundo; desconfiar quando um produto é muito barato; aceitar minha paixão à primeira vista por alguém ou coisa; prestar atenção aos limites do meu corpo; dormir 8 horas por dia; comer exatamente aquilo que estou com vontade de comer; tomar cuidado com as roupas listradas, justas ou de tamanho menor que o meu; usar calcinhas com foro de algodão; ter sempre na bolsa um remédio pra enxaqueca e cólica; evitar ter estoque de balas, chocolates ou sorvete em casa … Aprendi com os erros dos outros que preciso dar atenção e conversar freqüentemente com filhos, familiares e amigos; que o divórcio machuca demais; não devo gastar mais do que ganho ou tenho; não devo dar ouvidos às fofocas; preciso ser atriz da minha vida e não expectadora da vida dos outros; preciso avaliar muito bem para quem emprestar dinheiro; ser fiador apenas para pais ou filhos; não fumar jamais; não beber demais, não comer demais, não trabalhar demais; devo lutar com unhas e dentes pelo amor da minha vida; nunca usar de chantagem e violência com quem amo; ser a maior responsável pela minha felicidade; sempre acreditar naquilo que aprendi com a vida e comigo mesma … Ainda não aprendi a falar inglês e espanhol fluentemente; lavar louça enquanto  cozinho; usar religiosamente os cremes prescritos pela dermatologista; beber menos café; comer menos doces; “armar barraco”, “rodar a baiana”, “subir nas tamancas”, ou seja, “botar a boca no trombone” … Possivelmente estou esquecendo de muitas coisas que aprendi de um jeito ou de outro ou que ainda não aprendi. Muitos dos nossos erros/aprendizados são uma escolha pessoal. Aprendemos na prática aquilo que já sabíamos da prática dos outros. Ousamos e insistimos em tentar do nosso jeito, acreditando que pode dar certo ou não, nos boicotamos, fazemos gol contra e nos prejudicamos, consciente/inconscientemente. Parece que não queremos aprender, não queremos acertar. Por quê? Saber a serviço do que estão nossos acertos e erros pode nos indicar o lugar onde queremos chegar! Como queremos chegar! Com quem queremos estar!

                                                     Los Canales, setembro de 2006.

Dor e Tristeza

Dizem que estamos vivendo a Era da Felicidade. Sentimentos como dor, frustração, desapontamento e tristeza parecem ETs da modernidade, antinaturais e anormais. Um mal a ser evitado ou medicado. A regra é ser feliz, ou melhor, mostrar que se é feliz. A realidade porém, é bem diferente: todos sofremos e nos entristecemos. Sofrimentos vem e vão, são substituídos, diluídos, absorvidos. O melhor remédio, dizem, é o tempo: infinito, insensível, temperamental. Ideal seria mesmo, exterminar estas malditas dores e tristezas ingratas, de imediato! Quando meu filho entrou na sala de cirurgia por causa de uma fibrose no cotovelo esquerdo que limitava seus movimentos, pensava eu em como seria bom se já tivesse passado um ano, o resultado esperado+alcançado, as sessões de fisioterapia, as dores, o choro, as reconsultas, os exames, tudo, tudo fosse coisa do passado. Queria um parênteses para nele aprisionar meu sofrimento, um vácuo que engolisse minha dor. O mesmo aconteceu com outras doenças, crises, perdas, as coisas ruins+dolorosas e inerentes à vida humana. Tudo o que queria era minha vida de volta. Queria a felicidade que julgava ter direito. É o que todos queremos e acreditamos merecer! Queria uma trégua da vida – sabendo de antemão – que viria a temperança! Que o tempo tudo abrandaria! Mas a travessia sempre é difícil e doída! Tarefa pessoal e intransferível, ninguém pode ultrapassá-la por nós! Deste turbilhão saímos fortalecidos ou destroçados. Melhorados ou piorados. É assim que é! Uma forma de avaliar a dor é dar-lhe um tamanho, um número. Do tipo, se é um é pouco, se é oito, já é bastante. Os números nos dão uma medida, daquilo que teoricamente, não tem medida. Tornando objetivo o subjetivo, nos impermeabilizamos e vemos tristeza e dor –  externas e controláveis – em tempo de digeri-las e sobreviver a elas. Caso persistam, convém se perguntar: pra que serve o que estou sentindo? Que lugar estes sentimentos ocupam e que função tem na minha vida? Nem sempre encontramos as respostas, e talvez, seja necessário encontrar quem possa ajudar. Família, companheiros, filhos, amigos. Quem sabe um profissional. Dor e tristeza são necessárias para crescer e amadurecer. Porém, devem ser passageiras e transitórias, jamais um Estado Permanente.

                                                               Lajeado, maio de 2007.

Inclusão Conjugal

Conflito gera crescimento! Essa máxima pode ser aplicada a todas as situações em que o ser humano está implicado: do individual ao social, do social ao conjugal. Crises conjugais coincidem com as crises individuais. E vice-versa. É quando casamento e indivíduo batem de frente. Surge o momento de avaliar a relação e a si próprio. Muitos aproveitam e dão uma guinada na vida pessoal e/ou conjugal. Outros mantém a estabilidade conquistada, permanecendo como estão e onde estão. Mas todos redimensionam a própria vida, o relacionamento e se forem sábios, as expectativas. Casais constroem histórias sem regras que definem como devem proceder para terem uma vida digna e satisfatória, porque não existem manuais que se ajustem à pluralidade e singularidade humanas. Alguns sonham em viver contos de fadas e se decepcionam. Particularmente prefiro as histórias reais. Elas são possíveis. Testadas e aprovadas. Concordo que existem casamentos duradouros mantidos pela aparência, por interesses, por medo. Mas, existem também casamentos por amor, carinho, respeito. Imagem rara, extremamente invejada e almejada, são os casais que envelheceram e permaneceram juntos, sobrevivendo a toda sorte de situações com que foram presenteados. Vê-los de mãos dadas, passeando, fazendo compras, indo ao cinema, jogando cartas, viajando, indo ao médico … nos mostra a possibilidade de uma vida longa, a dois. Estão juntos, não pela beleza física, pelo sexo, pelos filhos, pela carreira, nem pelo dinheiro. Estão juntos porque aprenderam a viver a vida juntos, incluindo-se mutuamente com cuidado, carinho, respeito, confiança e companheirismo. Construíram o amor porque acreditaram nele. Muitos dirão que hoje as coisas são diferentes, que são raros os casamentos felizes e duradouros, que não podemos mais confiar no outro como acontecia antes, tipo Antigamente era assim … O risco do divórcio é real e nos rodeia. Vivi pessoalmente divórcios em família, acompanhei muitos casais se separando. Acredito que muitos divórcios são bênçãos, outros tantos são equivocados. Para a grande maioria, o casamento passou a ser um investimento de risco. Ou apenas uma tentativa – e como tentativa, já nasce abortado.  Como investimento de verdade – de risco ou não – quanto maior o investimento, a crença e confiança, maior o retorno. Invisto 100% e nunca me arrependi. No final, tudo o que queremos é alguém para amar e estar junto. O resto é apenas isso, resto.

imagem de internet
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Ninho Vazio

Etimologicamente falando, ninho é a habitação das aves, feita por elas para a postura de ovos e criação dos filhotes. Pode ser refúgio ou abrigo, e, por conseguinte, a casa paterna. Nosso lar. Imagina quantos outros ninhos existem! Vários. Inclusive alguns ninhos de cobras! Infelizmente. Ninho de cobras, segundo o Aurélio, é o lugar onde há pessoas de índole má e traiçoeira. E o ninho vazio? Psicologicamente falando, é quando os pais estão entre os quarenta e os sessenta anos e os filhos estão saindo de casa. Um ciclo natural. Vejo em muitos National Geograph e Discovery Chanel os pais jogando seus filhotes dos ninhos, literalmente expulsando-os. Não é o que nós, humanos, normalmente fazemos. Não vejo – na natureza – nenhum sofrimento neste comportamento animal, apenas a certeza instintiva e inata de lançar filhotes prontos ao mundo.

Será que nosso sofrimento reflete a incerteza sobre os filhos que lançamos ao mundo? Será que sobreviverão em meio aos ninhos de cobras, às intempéries e à vida em si?

Pesquisas mostram que a dor e a angústia típicas do ninho vazio duram em torno de dois anos. No máximo. A exceção se cria quando existe patologia materna, conjugal, familiar, ou, no próprio rebento. Além da saída dos filhos, outras características marcam este período. O relacionamento conjugal muda, porque marido/pai e mulher/mãe mudam; o relacionamento não se faz mais necessário para a sobrevivência da prole, a esta altura, pronta e lançada para o mundo/vida; assoma-se a isto uma nova forma de relação entre pais e filhos – agora adultos – de gerações, hierarquia de poder e idéias diferentes; nossa relação como filhos de nossos pais também passa por um momento único – a resolução de antigas farpas e desentendimentos encontram o melhor momento para serem solucionadas – frente a seu envelhecimento percebemos que não temos, nem eles têm, todo o tempo do mundo. A meia-idade fica espremida entre a terceira idade e o adulto jovem. Ficamos no meio do sanduíche. Espremidos dos dois lados. Vivemos esmagados tentando encontrar alternativas para estas três gerações: nossos pais, nós e nossos filhos. Vemo-nos sem saída! A sensação é de que nosso ninho começa a desmoronar. Afinal, para abrigar tanta novidade ele precisa de novos contornos e muito mais espaço. Nosso universo familiar precisa se expandir. Acaba explodindo muitas vezes! Rasgamos contornos familiares para integrar nossos próprios pais, noras, genros, netos…… E a nós mesmos. Assim, esmagados pelas necessidades e peculiaridades de ser jovem demais ou velho demais, precisamos seguir em frente. É o único caminho possível.

Boa companhia à mesa

De várias coisas tenho sentido falta neste momento de minha vida. Num período muito curto tenho procurado me adaptar à parada temporária de minha atividade profissional, a adaptação a uma nova cultura, nova casa, novos móveis, novo idioma, o distanciamento de filhos e demais familiares. É uma lista enorme de mudanças que viraram minha vida e minha rotina de pernas para o ar. Estou sobrevivente, e procuro me adaptar a esta nova fase, ou seria melhor dizer, a este novo papel. Mas o que tem me deixado um tanto aborrecida, tem sido a hora do almoço. Após uma vida acompanhada neste momento do dia, primeiro na casa de minha família com pai, mãe, irmão, avô, avó, bisavô e tia-avó, sempre com comidinhas caseiras feitas com todo o amor e dengo de avó; depois, recém casada, às voltas com panelas, receitas e falta total de experiência na cozinha, mas com todo amor e colaboração do maridinho; passei para os memoráveis almoços com filhos que brincavam com a comida, não gostavam de cebola, alho, verduras, feijão e de mais uma lista enorme de não gosto, aviõezinhos, sermões e chantagens. Evoluí para o papo-cabeça adolescente, das notas boas e das explicações para as notas não tão boas, insinuações quanto a namoros e baladas, agora já acompanhadas com a comida gloriosa de minha assistente doméstica. De repente os filhos saíram de casa, cada um no seu tempo e sobramos apenas eu e minha fiel escudeira. O primeiro golpe foi nas compras de supermercado, quando a melhor parte (mas não tão saudável) foi cortada. Ou seja, tudo que os adolescentes e jovens adultos magros podem comer sem moderação: guloseimas, biscoitos recheados, salgadinhos, chocolates, sucrilhos, danones, etc, foram banidos a favor da balança e de um corpo mais esguio e mais saudável. As quantidades também foram reduzidas, bem como as receitas adaptadas às novas moradoras da casa. Isso sem mencionar a falta do que oferecer quando surgem visitas inesperadas.  Nestas semanas já experimentei diferentes modalidades: comida requentada do jantar, comidas rápidas para uma só pessoa, ou então um lanche substancial. Todos com suas vantagens e desvantagens: comida requentada no almoço sugere jantar fresquinho, noite mal dormida e calorias além do esperado; fazer comida para apenas uma pessoa requer panelas pequenas, pratos únicos, saladas, grelhados, muita sujeira na cozinha para pouca comida, acaba ficando sem graça; lanches no almoço levam o corpo a pedir comida o resto do dia, o que leva a muitos lanchinhos e a um enorme jantar. Dia após dia tenho experimentado diferentes maneiras para almoçar. Passei a invejar minha mãe e minha sogra que já fazem isso há anos e não parecem se importar, ou é assim que penso. Aliás, pessoas ao redor do planeta fazem isso sem maiores problemas. Fui me dando conta de que talvez seja na hora do almoço o melhor momento (ou o pior) do dia para perceber meu “ninho vazio”, as mudanças da rotina e da vida, do novo. Aos poucos, tenho almoçado com a televisão, com livros e revistas ao meu lado, com o computador, com as palavras cruzadas em espanhol, com os pensamentos divagando por sobre a vista fantástica da minha varanda. Percebo que o problema não é a comida: é a companhia. É da vida em movimento que desfilava durante as refeições, e que agora está por minha conta. Este tem sido meu desafio diário. Entrar num acordo entre a fome do corpo e a fome do coração. O problema é aplacar a fome do coração com a comida do corpo. Percebo cada vez mais, pessoas sozinhas. Comendo sozinhas. E cada um encontra a melhor forma para isso. Aos poucos começo a me familiarizar com meus novos companheiros de almoço( TV, livros, micro, som, etc.). Quanto ao jantar? Volta pro começo. Jantar à luz de velas, vinho, música romântica, muita conversa com o maridinho 100% meu (sem filhos, sem empregada, sem mãe, sem sogra, sem preocupação, sem….) A vida não é absurdamente bela?!!!!

                                                     Los Canales, setembro de 2006.

Ensaios Pornográficos

Li minha primeira cena sexual aos 14 anos. O livro era um bestseller de Sidney Sheldon, “O outro lado da meia-noite”, que retirei na biblioteca pública de minha cidade. Vi pela primeira vez uma Playboy aos 17 anos. Encontrei a revista entre os pertences de meu namorado. Assisti a meu primeiro filme pornográfico quando tinha 25 anos. Foi o segundo filme a rodar no nosso primeiro aparelho de vídeo-cassete. O primeiro filme a rodar foi “A história sem fim”. Nem preciso dizer quem escolheu cada filme, certo? Assisti a um show erótico pela primeira vez aos 31 anos. Em nossa primeira viagem à Europa nos encontramos com amigos alemães na cidade de Hamburgo. Lá nos disseram que íamos ao show mais quente de toda Europa. Confesso que fiquei curiosa, mas jamais poderia imaginar o que eu ia ver. Sobrevivi a uma peça de teatro de sexo explícito, a menos de 10 metros da mesa onde estávamos sentados. Recentemente assisti a um strep tease feminino e masculino. Ao longo dos anos aprendi que cada pessoa tem suas próprias zonas erógenas. Que cada pessoa é estimulada de forma diferente. Órgãos diferentes captam os sinais e os estímulos genitais. Aprendi também que a maioria dos homens adora filmes pornográficos ou qualquer tipo de estímulo genital visual. Enquanto que a maioria das mulheres detesta filmes pornográficos ou estímulos genitais visuais, preferindo as demonstrações de romantismo como um poderoso estímulo sexual. Obviamente que existem exceções. Mulheres que gostam de pornografia e homens que não gostam. Mulheres que desconfiam e ridicularizam demonstrações de romantismo e homens que se sentem estimulados. Também existem situações em que determinados estímulos podem ter o efeito contrário ao que sempre tiveram, fazendo com que uma mulher sinta-se excitada com um filme pornográfico quando normalmente este tipo de filme a aborrece e a irrita. Muitos dirão que estas preferências são culturais e aprendidas. Que desde cedo, nós mulheres, aprendemos a reprimir nossos desejos e fantasias sexuais e por isso não apreciamos filmes pornográficos, nem cultivamos fantasias sexuais. Muitos dirão que homens são estimulados pelo que veem, que os estímulos visuais são poderosos para o gênero masculino, não ocorrendo o mesmo com o gênero feminino, que prefere outras formas de estimulação. Acredito nas duas possibilidades. Ambas contribuem para haver ou não estímulo sexual. Ambas atiçam ou não nossos desejos. Depende de cada um! Infelizmente este saber pouco resolve o impasse entre homens e mulheres quando a questão é que, o que acende o desejo de um, tem o poder diametralmente oposto, de apagar o desejo do outro. Tanto a pornografia como o romance pode ter este mesmo efeito! Imagina o homem que está apenas a fim de sexo, e se vê enredado numa história romântica, numa relação de intimidade para a qual não se sente preparado. Ou uma mulher, que quer viver seu conto de fadas com seu príncipe encantado e é levada a assistir a um filme pornográfico. Pane geral! Com a facilidade e a quantidade de conteúdos pornográficos em nosso dia-a-dia, principalmente via internet (mas também em outros meios de comunicação), cada vez mais mulheres convivem com o olhar genital, aprendendo e desenvolvendo este lado reprimido do universo feminino. Cada vez mais mulheres têm recebido mensagens, piadas e fotos mostrando ensaios fotográficos sensuais com homens parcialmente ou totalmente nus, de frente ou de costas, valorizando bumbuns e pênis, nas mais diversas posições e situações. Confesso que alguns, ainda hoje, me deixam encabulada e até envergonhada. Afinal, esta ainda é uma área pouco explorada em nosso universo feminino. Durante muito tempo via este tipo de material nos micros de meu marido e filho. Obviamente, eram mulheres nestas mesmas condições, que eles exibiam orgulhosamente, indiferentes ao olhar recriminatório feminino da casa. Sempre que questionados sobre estes gostos e necessidades, escutávamos que eram “coisas de homem”. Parece que precisavam de constantes estímulos visuais para manterem sua libido em alta, sua sexualidade alimentada e valorizada. Diferentemente das mulheres que estão aprendendo a gostar destes ensaios fotográficos, a pornografia neles embutida, parece ser muito mais uma desforra, uma revanche. Do tipo, “se não pode com ela junte-se a ela”. Bela e brilhante saída! No entanto, e apesar de haver ganhos com esta evolução, temos sofrido um ataque maciço de dimensão planetária, uma overdose de estímulos genitais visuais via Internet, filmes, novelas e programas de televisão, revistas, músicas, entre outros meios de comunicação, que têm dado uma nova dimensão à sexualidade humana, vista cada vez mais de forma banalizada, descartável, reduzida apenas a um mero e insignificante objeto a ser usado, abusado e jogado fora. Ainda assim, têm surpreendido a selvageria e a promiscuidade dos filmes pornográficos atuais. Coisa quase inimaginável!!! Cada vez mais se percebe que neles existe uma coisificação sexual brutal. Infelizmente as maiores protagonistas das cenas deprimentes que vemos nestes filmes, são mulheres. São elas que comandam cenas de sexo animal. Sem qualquer limite físico ou orgânico. Parecem querer provar sua supremacia sexual frente aos homens, que apenas aparecem como meros coadjuvantes, acessórios necessários para que haja um “falo” em cena. Que não raramente falha em sua representação, tamanho o desempenho sexual feminino! Me entristece pensar que chegamos a este nível de competição com os homens. Por outro lado, vemos cada vez mais homens se prestando a ser objetos sexuais, fazendo a alegria de uma infinidade de mulheres. Pelo simples prazer de olhar, de admirar o que é belo, de se permitir fantasiar, de se excitar sexualmente. Mas parece que principalmente pela diversão que proporcionam. Talvez seja este o novo olhar feminino sobre a pornografia e a estimulação visual de sua sexualidade. Como os homens têm reagido a esta invasão, a este novo aprendizado feminino? Não sei quanto aos outros, mas os meus não estão gostando nem um pouco. Acho que esta nova revolução sexual feminina pegou os homens novamente desprevenidos. E a nós também.

                                                                                    Los Canales, outubro de 2006.

 

Encontrei um amor onde eu menos esperava!

Poderia escrever sobre o grande amor da minha vida, meu companheiro de 29 anos, sobre meus dois amados e maravilhosos filhos, meus pais, amigos, ou algum animal de estimação. Com certeza, teria muito o que falar sobre qualquer um deles. Mas quando pensei sobre qual amor escrever, lembrei-me imediatamente de minha casa. Um verdadeiro e grande amor em minha vida, que se mostrou intenso e verdadeiro quando cogitava me desfazer dela. Parece tão material, tão impessoal, que soa estranho falar que uma casa possa ocupar um espaço tão importante na vida de alguém. Mas, nossa casa merece esta homenagem, merece esta declaração de amor. Quando decidimos construir esta casa, a quem chamamos carinhosamente de “Xangrilá”, procuramos um arquiteto amigo que nos sugeriu fazer um desenho de como gostaríamos que ela fosse. Não sei se esta é uma sugestão comum entre arquitetos e clientes, ou se, pelo fato de meu marido ser engenheiro, ele pensou que poderíamos “adiantar o serviço” e esboçar nossa ideia no papel. De qualquer forma, ele também traria uma ideia a partir do que havíamos conversado. No dia de nossa reunião levamos nosso pré-projeto e ficamos impressionados com a semelhança do projeto trazido por nosso arquiteto. Tirando alguns detalhes arquitetônicos mais arrojados, os dois desenhos eram iguais. Assim, não restavam dúvidas de como seria nossa casa. Ela havia se manifestado. O período de gestação de nossa casa foi de 3 anos. Um para a finalização do projeto e 2 para a construção. Nossa casa foi pensada e trabalhada à distância. Foram 3 anos de dedicação e economia total. Todos os nossos recursos e energias foram canalizados para ela. Quando ficou pronta, ou, parcialmente pronta, decidimos que era hora de nos mudar. E em pleno mês quente de dezembro de 1994, trouxemos nossa surrada, antiquada e pequena mudança para o nosso verdadeiro e novo lar. Voltamos para nossa terra natal, o Rio Grande do Sul. Foi um choque muito grande. Nossos móveis eram pequenos demais. Eram adequados para as mudanças frequentes (exigência da profissão nômade de meu marido, engenheiro de uma grande construtora) e gritavam com a imponência e modernidade de nossa casa. Muitas coisas pensadas no projeto como sendo maravilhosas se mostraram um desastre na prática, e eu, pensava comigo mesma, havíamos concebido um elefante branco cheio de defeitos e inadequada para nossas necessidades. Durante muito tempo pensei em vendê-la. Mas era o único lugar para onde poderíamos voltar, e eu acabei, aceitando-a. Nossa casa é ampla e espaçosa. Com poucas paredes divisórias, toda envidraçada, com pé direito altíssimo, e um enorme jardim de inverno central, que traz a natureza exuberante para dentro dela. Os primeiros dias e noites dentro de nossa casa foram um desafio aos meus sentidos. Até hoje ela é extremamente comunicativa. São estalos e barulhos, que com o tempo, identifiquei como os ruídos próprios de uma casa com uma estrutura metálica e de vidro muito grande, que trabalha conforme o clima. A sensação de pequenês dentro dela, a falta de paredes que dêem contornos aos ambientes, os janelões de vidro que trazem para dentro de casa o mundo lá de fora despertam sensações emocionais e fisiológicas muito intensas, que se acomodaram e se incorporaram de tal forma, que hoje, lugares pequenos, cheios de paredes e teto rebaixado me sufocam. Durante 12 anos vivi intensamente nosso Xangrilá. Continuar lendo “Encontrei um amor onde eu menos esperava!”

De que macaco descendemos?

Poucos discutem hoje a validade da teoria da evolução da espécie de Charles Darwin. Por mais que nos choque ou nos extasie, por mais que irritemos religiosos do mundo todo, temos a convicção de que somos a evolução mais bem sucedida de nossos ancestrais macacos. Cada vez mais vemos e lemos sobre experimentos que comprovam semelhanças entre nós e os macacos. Como psicóloga e terapeuta de casais, ao longo dos anos li, sob várias perspectivas diferentes, o funcionamento dos relacionamentos humanos. Teorias psicanalíticas e sistêmicas sempre foram as minhas preferidas. O que uma não explicava bem, a outra dava conta. Anos atrás li um livro excelente chamado “Anatomia do Amor” da escritora e antropóloga americana Helen Fisher, que abordava o amor e suas manifestações, sob a ótica evolucionista e antropológica. Achei surpreendente e pude comprovar na prática (na minha vida pessoal e também com meus pacientes) suas teorias. Realmente, muito do que fazemos é herança instintiva e evolucionária de nossos antepassados e que por terem sido utilizadas, garantiram a preservação da espécie humana. Incluem-se aí desde os jogos de sedução, as raízes do ciúme e da infidelidade, a poli ou a monogamia, entre outras questões. Recentemente chamou-me a atenção o enfoque do psiquiatra norte-americano Frank Pittman, autor do livro “Mentiras Privadas”, sobre a infidelidade e os diferentes modelos ancestrais quanto à forma dos relacionamentos humanos. Ele questiona se o casamento é algo natural na vida da espécie humana. E discorre sobre quatro diferentes modelos de relacionamentos entre os símios: gibões, gorilas, orangotangos e chimpanzés. Segundo ele, gibões são monógamos e podem afugentar os próprios filhotes da relação com sua companheira; os gorilas são polígamos, o macho dominante tem seu harém particular de fêmeas; os orangotangos são solitários e anti-sociais e esporadicamente tem encontros com fêmeas na floresta; os chimpanzés são promíscuos e mantêm-se afastados do grupo de fêmeas e filhotes, e só invadem o grupo para se acasalar com qualquer uma das fêmeas, com aquela que lhes agradar naquele momento. Seguramente conhecemos pessoas que seguem mais ou menos estes padrões de relacionamento. Interessante!!! Surpreendente!!! Será???? Como entender o formato dos nossos relacionamentos sob a ótica evolucionista? Quantas justificativas encontramos para nós mesmos e para nossos cônjuges frente à infidelidade? Afinal, existem numerosas explicações que apontariam causas inconscientes, situacionais ou contextuais para entendermos nossos relacionamentos como também a presença da infidelidade na vida a dois! Possivelmente na teoria evolucionista poderíamos deduzir que o antepassado de nosso companheiro poderia ter sido um chimpanzé, ou quem sabe um gorila. O que é menos pior na nossa sociedade monogâmica? Poderíamos pensar em como seria bom se nosso companheiro fosse descendente de um gibão, mas mais evoluído quanto aos ciúmes dos próprios filhos! Poderíamos encontrar resposta para as queixas de dez entre dez mulheres, de que existem poucos machos disponíveis, e deduzir que eles poderiam ser descendentes dos orangotangos, e que certamente estão escondidos por aí, e só saem esporadicamente para encontros fortuitos com as fêmeas, sem chance para compromissos mais sérios! Será que tudo se resume a nossa evolução? Será que ainda estamos evoluindo? Com certeza, e felizmente, estamos em permanente e constante processo de evolução. Independentemente de a explicação ser psicanalítica, sistêmica ou evolucionista.

                                                                              Los Canales, setembro de 2006.