Uma nova temporada com mamis

Amanheci com o rosto de um anjo dourado no forro do quarto onde durmo na casa de minha mãe.

Ele me lembra um cartão que um dia uma paciente me deu. Eu era o anjo da guarda dela.

O anjo dourado apenas me olhava, num forro todo craquelado de formas douradas.

Virei o rosto. Olhei de novo. E lá estava o anjo dourado sorrindo para mim.

Fechei os olhos e dormi.

Quando o dia amanheceu, o anjo havia sumido.

Será que foi um sonho? Uma premonição?

Foi bonito, e se eu pudesse, pediria que ele retornasse mais vezes e invadisse minhas noites insones.

Cheguei ontem de Florianópolis com uma missão.

Cuidar da minha mãe idosa.

Com quase 84 anos, chegou aquela hora de inverter os papeis.

Os olhos azuis caídos e sem brilho me alvejaram feito flecha:

Minha mãe precisa de mim.

O corpo emagrecido

As pernas bambas

A insegurança no andar e no falar,

o aquecedor ligado esquecido,

A repetição constante dos velhos e eternos assuntos,

Os esquecimentos, falhas e lapsos de memória

acionaram o alarme.

Hora de ser mãe de minha mãe.

Cheguei e encontrei-a sorridente na área em frente à casa:

“Vc veio com o Alfredinho?

O café está pronto, cozinhei milho verde e linguiça.”

“tudo que quero é comer bergamota do céu e te abraçar”

Saio do carro e vou ao encontro dela.

“Então eu também vou.”

Largo as sacolas no chão, 

coloco as poltronas no gramado

ao lado da bergamoteira no meio do pomar

entre o sombreado e os raios de sol das 14 horas, em plena quarta-feira.

Começo a colher minhas bergamotas preferidas. Do céu.

“Prefiro as pokan.” O pomar da casa de minha mãe é sortido e está farto. Encho uma cesta de bergamotas e conversas. A hora é do mais puro prazer.

“Estava contando as horas pra vc chegar.”

“Eu também”.

As três semanas passaram, muito foi feito. Outro tanto ainda por fazer. Como todo idoso, minha mãe desgosta de cuidadores, empregadas e faxineiras. “Só quando precisa”. Na casa da minha mãe precisaria de um exército ajudando. A casa e o jardim são enormes. Um cortador de grama e um jardineiro esporádico me ajudam a deixar o jardim mais ou menos em ordem. Como organismo vivo que é, o jardim está sempre fora das medidas e tem sempre planta renascendo e reivindicando espaço. 

Ao chegar, minha mãe, além de feliz estava nervosa:

Havia recebido duas intimações extra-judiciais (mas o judicial tirou-lhe o sono) para podar ou abater as plantas que colocam a rede elétrica de alta tensão em risco. 

E assim, seguiremos em frente: curtindo e resolvendo problemas.

O que seria da vida sem esta dupla?

Estudando a flora – o incrível universo das árvores

Depois de anos lendo e estudando o comportamento humano, decidi me aventurar pelo estudo das plantas. Repaginar o jardim da casa da minha mãe me fez estudar sobre o assunto, tipo: plantas que gostam de sol, as que preferem lugares úmidos e sombras, as mais resistentes, as permanentes, enfim … o paisagismo em si. Quando e como podar as plantas, como exterminar formigueiros e outras pragas, quando adubar, etcetcetc.  Apesar de radicalizar e colocar abaixo árvores e arbustos – comprei inclusive uma motosserra – minha relação com o reino vegetal é extremamente respeitosa. Abracei e pedi perdão a cada planta que mandei cortar; abraço árvores em parques pq sei da energia que captam ao longo dos anos/séculos/milênios e a distribuem gratuitamente. Elas dão trabalho, e mesmo assim, me divirto com elas. Então li “A revolução das plantas” do italiano Stefani Mancuso. A partir desta leitura comecei a me interessar mais e mais pela flora, o reino vegetal. Nada a ver com ecologia, mas sim com a sociedade das plantas/árvores e como elas escolheram evoluir e sobreviver de maneira muito diferente da fauna. Existem árvores com mais de 3000 anos. Animais, não. Foram extintos. E aí me deparo com uma viagem pelos sentimentos e escolhas das plantas. “A vida secreta das árvores” tem sido uma leitura incrível. Como as árvores cuidam uma das outras, como se comunicam, como se reproduzem e escolhem quem vai sobreviver e quais se transformarão em humus, etiqueta e escola no reino vegetal …. Bom pensar, refletir e caso se interesse, estudar. Já tenho uma lista de livros a serem adquiridos futuramente. Por enquanto este tem sido um tema inquietante que tem me intrigado muito. Pode parecer maluquice, mas muitas observações e conclusões de pesquisadores, tem colocado várias pulgas atrás das minhas orelhas.

Gosto disso. 

Assim como na psicologia nem tudo está visível aos olhos, mas está lá. Também no universo das plantas, o mesmo acontece. O ritmo lento adotado pelo reino vegetal nos faz perder processos de sobrevivência e adaptação. Muito acontece sob a terra ou acima das copas; elementos como fungos, pássaros, o vento, o sol, a chuva, aromas e cores participam ativamente na formação e adaptação das florestas. Ou sejam, existe um ecossistema complexo e pouco compreendido por trás da manutenção de árvores solitárias ou florestas gigantescas. 

Temporada materna

Quando começaram as notícias desesperadoras sobre a COVID19, no final de março de 2020, com a divulgação do que aconteceu na Itália e Espanha e depois USA, optei por passar uma temporada no RS, onde vive minha mãe, hoje com 83 anos. Como ela vive sozinha, pensei que o mínimo que eu poderia fazer era estar disponível para atendê-la nas suas necessidades diárias, até que o pior tivesse passado. Aproveitei e fiz um período sabático de 7 meses. Foi maravilhoso. Relendo os posts deste período, percebi que escrevi muito pouco a respeito desta parada tão importante na minha vida. Talvez escreva.

Quatro dias da semana ficava  na casa dela. Nos outros dias, ficava na minha casa. Na casa dela, além de mantê-la segura e protegida, comecei a cumprir a antiga promessa de arrumar e modernizar sua casa. O processo foi e continua sendo exaustivo e constante. Haja tranqueira pra organizar, limpar, arrumar, sucatear e guardar. Chega a me dar calafrios quando penso sobre o futuro de todos os pertences dela. A empreitada passa por uma avaliação séria sobre o destino de tanto material. Virará sucata ou será doado a algum museu? Ambiente por ambiente, o processo – passados dois anos – ainda se mantém. Entre temporadas e dias mais focados, a gente reveza tomando café, discutindo política, assistindo TV, fofocando, fazendo crochê, mosaico, dormindo, aprendendo a mexer no celular, tocar piano e, principalmente, trabalhando no jardim. Vislumbro novas temporadas pela frente.

Há vários posts sobre restauração de móveis (na sub-categoria restauração) e alguma coisa sobre o jardim da casa. A jardim da casa da minha mãe me soa como um bom livro a ser escrito, pois ambos: o jardim e eu, passamos por uma tremenda revolução externa e interna.

Cascalhos – Esculturas com Pedras do Rio

Venho protelando há anos uma empreitada que ao mesmo tempo me empolga e me assusta: iniciar-me num elemento mais duro, forte, firme: A Pedra. O cascalho.

Nasci e cresci ao lado do Rio Taquari no RS, onde os cascalhos são matéria prima abundante, e extremamente interessantes. Já vi trabalhos de pintura com estas pedras: não me identifiquei. Já vi canteiros e muros revestidos com eles: sofrível. Não faz meu tipo.

Cresci correndo sobre os cascalhos, queimando e torcendo os pés, brincando no rio adornado por eles, jogando sapata (amarelinha) com o cascalho perfeito. Eles me lembram Liberdade. Brincadeira. Natureza. Infância. Casa. Lar. Alegria. Vida. Mundo. A perfeita Imperfeição.

Em algum momento, possivelmente zanzando pelo Pinterest, que eu adoro, encontrei as Esculturas com Pedras de Rio. Amor à primeira vista. Paixão total e irrestrita.

Soube de imediato que trabalharia com os cascalhos e faria uma cidade de esculturas no jardim da casa da minha mãe. 

O que ainda não aconteceu.

Mas vai acontecer. 

Começou a acontecer.

Dias atrás, levei minha filha de 42 anos, para conhecer o rio, suas histórias, a vida da família e da comunidade. A importância daquele espaço para todos nós. Depois vi de longe, as praias de cascalhos formadas no calor do verão, devido a escassez de chuvas, e lembrei do antigo projeto. No verão modorrento do RS, desci as barrancas do rio, me deliciei nas águas mornas deitada sobre a cascalheira, por onde a água descia numa calma contagiante. A meu redor um mundo de cascalhos.

Vico, o jardineiro e pau pra toda obra da casa de minha mãe, foi acionado. 

A primeira leva de cascalhos aguarda o banho de lava-jato. Amanhã buscaremos a segunda leva. E tantas outras quantas forem necessárias. 

O primeiro passo para a construção da cidade das esculturas com Pedras do Rio, no jardim da casa de minha mãe, é juntar o material e prepará-lo, deixando-o pronto para ser usado. 

O segundo passo é definir os lugares onde montar as esculturas.

O terceiro passo é buscar inspiração. 

Por fim, como fazer acontecer. Quais materiais serão utilizados? Cola? Cimento? Broca?

Certeza única é a experimentação e a busca por soluções duradouras e esteticamente aceitáveis.

Inspiração é o que não falta.

Vontade de fazer também. 

Ecologia caseira

Tenho um marido ecológico, como diria uma amiga, cujo marido é igual ao meu. Aposentado, é ele que insiste em ser o jardineiro da casa. Numa rápida avaliação diria que ele é ótimo com as gramas: no corte, poda e adubação. Com relação aos canteiros, uma lástima. Tudo que germina vai crescer e florescer. Desde as sementes defecadas e espalhadas pelos pássaros, até as plantas que brotam, crescem e se esparramam por todos os lados. Ninguém pode mexer. É a natureza. E assim, as fênix mais parecem buxos gigantes, as Costelas de Adão sobem paredes, os bambus viraram paliteiros no jardim, as experiências com plantas se reproduzem em escala industrial, as orquídeas viraram uma cidade de vasos, e, sempre, segundo ele (de vez em quando, segundo eu) tem uma orquídea raquítica florescendo. Tem os dinheirinhos e outros inços, que de vez em quando, são tirados à faca. Nossos amigos, quando vem nos visitar, sofrem pra chegar na área de entrada da casa: além da escada em V (um erro grosseiro de arquitetura) ainda precisam desviar das Costelas de Adão, pois é inevitável não roçar nas folhas gigantes da planta que avança sobre os degraus. Não sei exatamente o que aconteceu, pois fui eu quem comprei as Costelas de Adão, pensando que fossem do tipo mini: ou me enganaram/enganei com as mudas ou foi excesso de adubo. Só sei que minhas plantas favoritas são as Senhoras da Entrada da casa, postadas feito cavaleiros medievais em suas armaduras de aço. Depois de anos tolerando todos os excessos pelos quatro cantos da casa e abrindo mão de um dos grandes prazeres de estar e contemplar um belo jardim, dei um ultimato: ou meu marido  muda o jardim ou eu mudo. Dia a dia vou olhando com o rabo do olho todas as possibilidades e começo a projetar uma enorme reforma no jardim. De uma coisa, tenho certeza. A transformação vai acontecer. Ou muda o jardim, ou mudo eu. De casa.

Quando o verão passar

Depois de um mês, ontem foi dia de visitar minha mãe no RS. 

Em meio ao calor marciano, talvez vulcano, ou como diria uma amiga, tá tão quente que parece que estou abraçada ao sol (entendo a insanidade dela, sinto-me igual). O calor do RS pode ser tão medonho quanto o inferno, digo, inverno. Aliás, pra quem não sabe, no RS existem quatro estações muito bem definidas: primavera, verão, outono e inverno. Meu xodó é o inverno, o equilíbrio está nas duas meias estações (outono e primavera) e o verão é o calvário do ano. Mas, ele passa. E quando passa, a felicidade pelas estações que seguem à frente é muito bem vinda e aproveitada. E entre um calor insano e outro, despencam aquelas chuvas de canivete que só quem mora num país tropical conhece. Calor demais + chuva demais = a natureza perde suas medidas, seus modos e dimensões.

Na casa de minha mãe, fui passear no jardim – reformado de julho a outubro, cuja maior proeza foi retirar sete caminhões, tipo toco, de entulhos, árvores e plantas, o que reconheço e não me arrependo, pq o resultado compensou – e percebi o quanto a natureza metaboliza bem o excesso de sol e de chuva. Em todos os canteiros, no recém plantado gramado, nas áreas ainda não trabalhadas, o inço e as plantas cortadas e remanejadas aproveitaram o verão pra se expandir e mostrar sua força. Pequenas plantas, arbustos e árvores simplesmente voltaram a brotar e ocupar seu antigo espaço. Aqui e acolá vejo folhagens e galhos de flores crescendo e vicejando. Nem aí para nosso esforço de reformulação e paisagismo clean e contemporâneo. Sem contar as tiriricas. Malditas tiriricas!!!!!!

Sempre em comum acordo com minha mãe, a verdadeira proprietária do jardim botânico que é o jardim da casa dela, concordamos em deixar tudo florescer e aparecer. Quando o verão passar, a gente resolve o que fazer com as plantas indisciplinadas que não aceitaram suas novas posições e lugares. Com exceção das “flores da vovó” que surgiram por toda parte. Cortá-las incitou-as a vir com mais força e determinação. Elas são as preferidas da minha mãe e se crescessem no colo dela, era lá que deveriam ficar. Nem pensar em arrancá-las e replantá-las.

Não me atrevi a contestar, sequer a pensar na questão das flores da vovó ou Gengibre-Azul ou Trapoeraba-azul no colo da minha mãe. O calor cozinha meus miolos e dizima qualquer tipo de esforço físico ou mental. Resolveremos entre março, abril ou maio. Não estou preparada, nem animada para um mal-educado bate-boca entre mãe e filha. Deixamos estar por enquanto. Pra retomar o jardim, preciso no mínimo, de energia de persuasão. Neste momento tudo que quero é piscina e ar-condicionado neste caldeirão escaldante que é o Vale do Rio Taquari, no RS. 

O jardim vai esperar. Mil ideias vão brotar.

E, em se tratando de natureza, tudo tem o seu tempo. E sinceramente, não é tempo de desencavar o gengibre azul. 

Repaginando o jardim 1

O tempo passou. Conforme tínhamos planejado, arregaçamos as mangas – meu marido e eu – e fizemos o nosso jardim. Nós mesmos. Sem ajuda alguma. Algumas coisas deram certo, outras não. A maioria não deu. Pelo menos, a entrada de serviço – feita com uma seleção de arbustos – ficou exatamente como tínhamos imaginado. Este ano, possivelmente. faremos a primeira poda e modelagem.

DSC08732

Costumo dizer que não basta apenas ter vontade pra fazer jardim. Tem que ter conhecimento, equipamento e principalmente, força. Força física mesmo. Foi aí que nossa vontade e nosso jardim se perdeu. A natureza cobrou o preço pelo amadorismo e improviso e avançou. Somadas à falta de força, juntou-se a falta de tempo e regularidade. Jardim precisa de carinho e atenção constantes. O tempo da natureza não é o mesmo tempo da gente. Você até pode ficar um tempo sem fazer nada, descansando ou esperando pelo melhor clima ou temperatura. A natureza não espera. Ela simplesmente acontece. Quando a gente percebeu, ela escapou das nossas mãos, se rebelou e tomou conta.

DSC08728

Desde sempre jardins me encantam. Adoro o verde, o colorido e o perfume das plantas. Adoro pisar na grama recém aparada, colher frutos das árvores e fazer arranjos de flores com o que tem no jardim. Sem contar que um jardim bonito, planejado e bem arrumado é um dos melhores lugares para se ficar, meditar, orar e agradecer, apreciar e conviver entre amigos, família e amores. E não foi nada disso que conseguimos com o nosso jardim autodidata. Ele me deixava nervosa e deprimida. Fui a primeira a jogar a toalha. Precisávamos de ajuda. Difícil foi convencer o marido. Ainda é difícil, mas agora, sem volta. O jardim já está nas mãos de dois experientes jardineiros.

DSC08717

Coube a uma paisagista apenas a feitura do cactário. A logística de carregar terra, areia, pedras e plantas para o topo do escritório exigia uma fenomenal força física. Um dia de trabalho, dois homens num sobe e desce frenético, para enfim, o cactário ganhar forma.

DSC08734

Refazer o jardim, neste momento, tem algumas vantagens: de tanto olhar e experimentar já sei o que dá e o que não dá no nosso terreno. Das plantas que plantamos, nasceu um grande amor por algumas: destaco as costelas de Adão (Monstera deliciosa)e as orelhas de elefante pretas (alocasia gigante orelha de elefante). Foram elas quem nortearam toda a reforma da frente de casa, junto com a compra de 3 vasos pretos enormes. Gosto de pensar que a frente e os fundos da casa precisam conversar entre si. Por isso os vasos foram distribuídos na área da piscina(1) e a frente de casa(2). Dois bambus mossôs + grama amendoim para revestimento do canteiro principal + as resistentes babosas finalizaram a entrada principal. Agora é esperar e ver como fica.

DSC08725

Com certeza, a reforma do jardim manteve nossa ideia original. A concepção inicial era paisagismo sem modismo. Queríamos um jardim que tivesse personalidade, usando  plantas comuns, relativamente baratas, mas principalmente, plantas de que gostamos. A reforma segue em frente. O luxo de que disponho são um a dois dias por semana com a ajuda dos dois jardineiros + um orçamento enxugado + muitas plantas pra reaproveitar.

DSC08729

Próxima etapa: a área da piscina.

O nascimento de um jardim

jardim Lajeado 4Sinceramente, acho difícil fazer um projeto paisagístico e não alterar os planos. Tratando-se de um jardim, então, parece uma tarefa simplesmente impossível!!! Na casa antiga em que morava, ao longo de 15 anos, fiz várias alterações no jardim, contratei duas paisagistas em momentos diferenciados, até assumir eu mesma, sua última reforma. Óbvio que é mais fácil fazer pequenas adequações e adaptações, do que começar o jardim do zero. Por isso, é importante saber que o jardim é um organismo em constante e freqüente processo de transformação. Ele nunca fica pronto!!!! E, assim como nós, ele passa por diferentes fases e precisa se readaptar o tempo todo. Mas, a natureza ensina tudo que precisamos saber. Basta ser observador e atencioso.

jardim Lajeado 7E o mais importante, que se goste de trabalhar com plantas. Elas diferenciam o amor verdadeiro do amor condicional.

jardim Lajeado 5Jardinagem tem que ser um hobby prazeroso, jamais uma tarefa estafante e obrigatória. Tem planta que gosta de sol, tem aquela que gosta de sombra, outras adoram muita água, outras só um tantinho. Algumas precisam do sol para realçar a cor, outras precisam de adubos e complementos pra ter uma floração abundante, outras, só precisam ser podadas … Ou seja, cada planta é singular e exige ser reconhecida, entendida e respeitada. Costumo conversar com as minhas, dar bom dia aos pássaros, andar com pés descalços no gramado, abraçar as árvores, acariciar as folhas, observar atentamente a transformação da flor em fruto. Esta é minha forma de meditação. E dela, não abro mão.

jardim de Lajeado pássarosUma das coisas que mais sinto falta na casa nova é do jardim maduro, harmonioso e reconfortante que foi estudado e trabalhado ao longo de muitos anos. Vejo-me repetindo este processo na casa nova. E por mais que compre e plante espécies crescidas e adultas, o conjunto revela a imaturidade do jardim embrionário que começa a despontar do terreno arenoso, plano e estéril. A única habitante antiga – que parece guardar na casca grossa e enrugada, a alma do meu novo endereço – é uma Aroeira plantada por algum funcionário encarregado de plantar algo nas calçadas do empreendimento imobiliário lançado muitos anos atrás. O lugar escolhido por ele é dela por direito e respeito. É ótima tê-la zelando por nós do lado de fora, em frente à casa.

jardim sombra

É a partir dela que todo nosso jardim está nascendo.

Fazendo poesia no jardim

A esta altura, o canteiro embaixo do beiral da casa já havia sido totalmente modificado. Brómélias foram substituídas por cicas e estrelitzas.
A esta altura, o canteiro embaixo do beiral da casa já havia sido totalmente modificado. Brómélias foram substituídas por cicas e estrelitzas.

Todo mundo conhece a minha mãe. É só falar da casa de esquina de Colinas, onde sempre tem Coelhos na Páscoa e Papais Noeis no Natal subindo pelas paredes, dependurados em árvores, espiando pelas flores, enfiados em vasos, janelas e portas … dá entrevista na RBS, rege coral de idosos e cantores de igreja, e todo mundo sabe quem é. Ela também tinha um jardim maravilhoso com pinheiros frondosos, muitas algarves e orquídeas, ganhou prêmio de jardim mais bonito de Colinas.

IMG_1328

Os anos passaram, minha mãe entrou na melhor idade – palavras dela – e o jardim a acompanhou. Aos poucos, as britas foram ganhando espaço, as plantas se agigantaram, a grama ficou mirradinha – e minha mãe, com o dedo verde – o que enfiava na terra, brotava, junto com vasos, esculturas, pedras, gatos, o que se pode imaginar num jardim que envelheceu junto com seu dono.

IMG_1759

Como qualquer pessoa acima dos setenta, certas mudanças soam como ir pra lua. E, assim como joguei armários infestados de cupim no lixo, dei fim em xícaras sem alças e travessas rachadas ou lascadas, sumi com cortinas de gabardine bege com bandô marrom … achei que era hora de mergulhar no jardim e dar a ele o vigor de seus melhores anos. Jardins são benções e verdadeiros santuários em nossas casas. Assim como nós, precisam ser reciclados e revitalizados. Amo o verde do gramado, dos arbustos e árvores. Gosto do coloridos das flores e plantas permanentes, e torço o nariz para as florzinhas de época. Dão muito trabalho e duram pouco.

IMG_0086

Como já reformei meu próprio jardim algumas vezes, me considero uma paisagista autodidata, que enfia a mão na terra, estuda as plantas, carrega pedra, planta, replanta, e principalmente, adora experimentar e inovar. Basta uma boa equipe de jardineiros, o olhar atento e observador, arregaçar as mangas, enfiar o pé na bota e não ter medo de errar. A natureza ensina. O básico – como tudo na vida – é o respeito. Cada planta tem suas preferências – existem as que gostam de sol, sombra, terra fraca, adubada, seca, úmida. Melhor respeitá-las.

Antes das bromélias engolirem o canteiro. Excessos!
Antes das bromélias engolirem o canteiro. Excessos!

Em tempos de mão de obra cara e falta de tempo, plantas de baixa manutenção, cactos e leguminosas, algumas pedras gigantes, e clean, é como o jardim deve ser. Nada de excesso de informação. O muito polui e ofusca a beleza dos detalhes. A natureza é bela na minúcia que só precisa de espaço para se mostrar.

IMG_0151

Quando começamos a reformar o jardim da minha mãe, pensamos pequeno. Só um canteiro. Depois veio o replantio de cicas, bromélias, cactos, estrelitzas, recolher vasos, derrubar o  coqueiro podre, sucatear as hortênsias azuis e japonesas, podar as azaleias, desfolhar palmeiras, cortar galhos secos, arrancar espadas de São Jorge, arrancar bubines, arrancar, arrancar e arrancar e replantar a grama, fazer um muro natural para as orquídeas, reposicionar os pisantes, e, ufa. ¼ do jardim  ganhou roupa nova.

IMG_1760

Como é fazendo que se vê como fica, decidimos relocar Juliana de pedra e os vasos romanos. O jardim, faceiro com tanto cuidado e atenção, foi se exibindo e ressurgindo, pedindo cada vez mais. Ele ainda quer mais. Sabe que pode mais. Mas, decidimos nos brecar e dar tempo. Agora é hora de crescer e florescer.

IMG_0131

Concordo com o escritor Edgar Allan Poe “Fico surpreso que ninguém tenha descrito o jardineiro como poeta, pois a formação de um jardim oferece às musas a perfeita oportunidade de criação.” Também me surpreendo com a poesia que germina da semente e do universo que se cria quando nasce um jardim.

IMG_0214

Jardim interior

Esta arvorezinha graciosa dá as boas vindas a todos que chegam em nossa casa, em Lajeado – RS. Ela está vermelha assim, desse jeito, porque adora o frio. E como nas duas últimas semanas fez um friozão por aqui, ela está toda exibida. Eu a chamo de miniplátano.
Nossa bergamoteira é uma fartura só. Todo ano ela fica tão carregada que para não quebrar mais e mais, amarramos todos os galhos a seu vizinho palmito. Que nunca reclama desta exploração. Já a jabuticabeira é uma miséria. Nunca deu um fruto sequer. São 17 anos na maior moleza. Sobreviveu a todas as ameaças, pregos e cortes. Hoje ninguém espera mais nada dela. Apenas sua beleza e sua função de cerca viva a mantém de pé. Enquanto as bananeiras continuam imbatíveis em fertilidade e produção. Tanto quanto a bergamoteira. São cachos e mais cachos abastecendo a vizinhança, virando bananada, schimier, bala e vitamina.
Os kaizucas são divinos. Ano a ano eles ficam mais bonitos, exuberantes e cheirosos. Eles dão o toque europeu à nossa casa tupiniquim gaucha. Já os palmitos dão um ar tropical à área da piscina. Quem pensa que eles dão pouco trabalho, está muito enganado. De tempos em tempos eles dão cachos infernais de coquinhos, que na fase flor, intoxica a piscina e suas tubulações. O jeito é ficar atento e, assim que o cacho aparece no envelope de palha que se abre, o jeito é decepá-lo sem dó nem piedade, a facão.

Adoro nossos buganvilles. A primeira árvore foi arrancada pelo vento anos atrás. O jeito foi plantar uma nova. A antiga era lilás. A nova é cor de rosa. Nas duas vezes comprei gato por lebre. O que eu sempre quis foi um buganville com flores vermelho carmim. Espero não ser enganada na próxima vez que for repô-lo.
Nestes 17 anos vivendo em casa, nosso jardim já passou por três adequações. Aprendi muito com os jardineiros e paisagistas que me serviram.
Planta é como gente. Precisa se adaptar ao lugar em que é plantada. E nem sempre o lugar escolhido é o certo para ela. Perdi plantas caríssimas ao desrespeitar esta regra básica. Ela mingua, perde o viço e a cor. E por fim, morre.

Cuido para não perder nem o viço, nem a cor. Jamais minguar ou morrer. O jeito é se adaptar. Assim como perdi muitas plantas, recuperei outras tantas e hoje estão mais lindas do que nunca. Que o digam nossas fênix, cicas, dracenas, buxos, bromélias e outras tantas, que renasceram ao ser relocadas e transplantadas. Hoje reinam majestosas cheias de cor e luminosidade.
Também estou me relocando e me transplantando. Assim como minhas plantas estou procurando o meu novo lugar.
Assim como elas, pretendo me adaptar e reinar majestosa, cheia de cor e luminosidade.