Amanheci com o rosto de um anjo dourado no forro do quarto onde durmo na casa de minha mãe.
Ele me lembra um cartão que um dia uma paciente me deu. Eu era o anjo da guarda dela.
O anjo dourado apenas me olhava, num forro todo craquelado de formas douradas.
Virei o rosto. Olhei de novo. E lá estava o anjo dourado sorrindo para mim.
Fechei os olhos e dormi.
Quando o dia amanheceu, o anjo havia sumido.
Será que foi um sonho? Uma premonição?
Foi bonito, e se eu pudesse, pediria que ele retornasse mais vezes e invadisse minhas noites insones.
Cheguei ontem de Florianópolis com uma missão.
Cuidar da minha mãe idosa.
Com quase 84 anos, chegou aquela hora de inverter os papeis.
Os olhos azuis caídos e sem brilho me alvejaram feito flecha:
Minha mãe precisa de mim.
O corpo emagrecido
As pernas bambas
A insegurança no andar e no falar,
o aquecedor ligado esquecido,
A repetição constante dos velhos e eternos assuntos,
Os esquecimentos, falhas e lapsos de memória
acionaram o alarme.
Hora de ser mãe de minha mãe.
Cheguei e encontrei-a sorridente na área em frente à casa:
“Vc veio com o Alfredinho?
O café está pronto, cozinhei milho verde e linguiça.”
“tudo que quero é comer bergamota do céu e te abraçar”
Saio do carro e vou ao encontro dela.
“Então eu também vou.”
Largo as sacolas no chão,
coloco as poltronas no gramado
ao lado da bergamoteira no meio do pomar
entre o sombreado e os raios de sol das 14 horas, em plena quarta-feira.
Começo a colher minhas bergamotas preferidas. Do céu.
“Prefiro as pokan.” O pomar da casa de minha mãe é sortido e está farto. Encho uma cesta de bergamotas e conversas. A hora é do mais puro prazer.
“Estava contando as horas pra vc chegar.”
“Eu também”.
As três semanas passaram, muito foi feito. Outro tanto ainda por fazer. Como todo idoso, minha mãe desgosta de cuidadores, empregadas e faxineiras. “Só quando precisa”. Na casa da minha mãe precisaria de um exército ajudando. A casa e o jardim são enormes. Um cortador de grama e um jardineiro esporádico me ajudam a deixar o jardim mais ou menos em ordem. Como organismo vivo que é, o jardim está sempre fora das medidas e tem sempre planta renascendo e reivindicando espaço.
Ao chegar, minha mãe, além de feliz estava nervosa:
Havia recebido duas intimações extra-judiciais (mas o judicial tirou-lhe o sono) para podar ou abater as plantas que colocam a rede elétrica de alta tensão em risco.
E assim, seguiremos em frente: curtindo e resolvendo problemas.
O que seria da vida sem esta dupla?