Os deuses do tempo

Como muito bem disse Rubem Alves: “O tempo pode ser medido com as batidas de um relógio ou pode ser medido com as batidas do coração”.

Na mitologia grega se encontravam vários titãs descendentes de Gaia. O caçula era Cronos, a personificação do tempo. Também existia Aión (ou Eón, para os romanos), o tempo eterno, em contraste a Cronos, como o tempo empírico dividido em passado, presente e futuro. Entre essas deidades temporais também tinha Kairós. Kairós é um conceito da filosofia grega que representa um lapso indeterminado em que algo importante acontece.

Aión era o deus das eras, das décadas e dos milênios. Representa o eterno ciclo do tempo e a evolução da humanidade. É a própria eternidade. Por ser o criador do tempo, e de tudo o que existe no universo, os gregos consideravam que a humanidade era filha de Aión, portanto, uma vez que é impossível fugir ao tempo, todos seriam mais cedo ou mais tarde, vencidos por ele.

Os gregos antigos tinham ainda duas outras palavras para o tempo: Cronos e Kairós. Enquanto Cronos faz referência ao tempo cronológico, sequencial, o tempo que se mede; Kairós é o momento indeterminado no tempo, em que algo especial acontece, a experiência do momento oportuno.

Kairós, o deus da oportunidade, era filho de Zeus – o deus dos deuses e de Tykhé, a divindade da fortuna e prosperidade. Descrito como um belo jovem calvo com um cacho de cabelos na testa, ele era um atleta e tinha uma agilidade incomparável. Resplandecente e com a flor da juventude, Kairós tinha duas asas nos ombros e nos joelhos. Sempre sem roupas, ele corria rapidamente e só era possível alcançá-lo agarrando-o pelo topete, ou seja, encarando-o de frente. Depois que ele passava, era impossível perseguí-lo, pegá-lo ou trazê-lo de volta. Entre os romanos era chamado de Tempus, o breve momento em que as coisas são possíveis. Kairós tinha o poder do movimento rápido que podia passar despercebido aos olhos desatentos, tornando impossível recuperar a visão de sua passagem. Dada à sua natureza difícil, raramente proporcionava uma segunda chance. Na filosofia grega e romana é a experiência do momento certo e oportuno. Kairós era descrito como um jovem que não se importava com o relógio, o calendário e o tempo cronológico. Ele era o tempo que não podia ser cronometrado, o tempo que não pertencia a Cronos porque não previsível, apenas acontecia, por isso era chamado de momento ou oportunidade. Kairós é o tempo divino que o vento traz, a vida conspira, decide acontecer sem tempo, sem hora marcada, se manifesta instante a instante e permanece eterno. Kairós marca os momentos que se tornam eternos, ainda que tenham sido breves. Os gregos acreditavam que com Kairós poderiam enfrentar o cruel tirano Kronos.

Cronos era um titã que se tornou senhor do céu após destronar seu pai (Urano), e a partir desse acontecimento os titãs passaram a governar o mundo. 
O mito do Cronos ilustra temas como envelhecimento, mudança entre outros elementos relacionados ao tempo. “Chronos devora ao mesmo tempo que gera”. Essa é uma alusão ao mito que ele devorava todos os filhos assim que deixavam o ventre sagrado da mãe. De acordo com a mitologia ele temia uma profecia segundo a qual seria tirado do poder por um de seus filhos pois não queria que ninguém lhe sucedesse, além dos próprios filhos devorava os seres e o destino.

Cronos era descrito como o velho, o Senhor do tempo, das estações, da pressão das horas ordenadas pelo relógio e pelos dias, meses e anos determinados pelo calendário. Cruel e tirano, Cronos controlava o tempo desde o nascimento até a morte, aquele tempo comum, real, visível e rotineiro. O Tempo Cronos era o ditador da quantidade de coisas realizadas durante o dia, o tempo burocrático, o tempo humano, o tempo que nunca é suficiente, o tempo que escraviza, preocupa e estressa. Cronos deu origem ao cronômetro e aos medidores do tempo, o tempo dos homens. Vivemos no contexto de Cronos, do tempo linear, o tempo que corre sempre para frente. Observamos a nossa idade avançar, o desenrolar de acontecimentos, mudanças, declínios e ascensões. Estamos tão condicionados à necessidade de cumprir as expectativas do tempo imposto pelo relógio, que não nos permitimos ser naturais: tornamo-nos mecanizados pela força do tempo que exige de nós cada vez mais tempo. Cronos nos torna menos humanos e nos torna mais máquinas, porque está sempre ao nosso encalço exigindo pontualidade, estabelecendo ritmos e metas. Pagamos um alto preço para cumprir as normas do tempo.

Em nossa vida estamos sempre lutando contra o tempo tentando distribui-lo entre as nossas diversas atividades diárias. A sensação de estar perdendo tempo com alguma coisa, seja o trabalho, a faculdade, um relacionamento, um livro ou filme ruins ou pouco prazerosos, mostra a nossa preocupação com o tempo que escorre e nos deixa insatisfeitos. Porque para sermos felizes, é preciso mais do que usar o tempo com eficiência.

Kairós está relacionado à qualidade do tempo vivido, um tempo divino, presente nos momentos especiais e inesquecíveis, que não se perdem no tempo do calendário. Ele flui, vai e retorna, marcando os momentos emocionantes. Refere-se a um instante, ocasião ou momento, que deixa uma impressão forte e única por toda a vida. Por isso, Kairós refere-se a uma experiência atemporal na qual percebemos o momento oportuno em relação à determinada ação.

Quantos momentos Kairós deixamos de viver, por estarmos preocupados com o tempo Cronos: o primeiro sorriso de um filho, uma mão estendida no momento oportuno, o abraço confortante no momento de tristeza, um carinho que arranca a tristeza do coração em um momento de infelicidade. São muitos momentos Kairós, que apesar de breves, fazem a diferença. Quantos momentos Kairós são lembrados depois que alguém se foi e, independente do tempo Cronos que tenhamos vivido com essa pessoa, são os momentos Kairós que deixam as lembranças inesquecíveis. São as recordações dos momentos Kairós que nos fazem sentir saudade. Quando estamos vivendo os momentos Kairós queremos que Cronos permaneça imóvel, porque queremos que o tempo pare para eternizar o momento.

O momento passado é único, mas pode ser revivido quando se fecha os olhos para senti-lo novamente. E por permitir sentir novamente, ele também se relaciona ao ressentimento, que é a face negativa de Kairós.

Trazendo o mito de Kairós para o nosso passado, certamente iremos constatar que muitas vezes o tempo das oportunidades se fez presente e o deixamos escapar. Bons negócios, possibilidades de estudos e relacionamentos, chances de perdão e reconciliação, são algumas das aberturas que ocorreram, que poderiam ter atenuado a implacabilidade de Cronos.

Quando vivemos no tempo Kairós aumentam as oportunidades em nossa vida. Basta repensar como surgiram nossas melhores oportunidades: de certa forma, estávamos desprogramados das exigências do tempo cronológico. Para os gregos Cronos representava o tempo que faltava para a morte, um tempo que se consome a si mesmo. Por isso, seu oposto é Kairós: momentos afortunados que transcendem as limitações impostas pelo medo da morte. Sempre que agimos sob o tempo kairós, as coisas costumam dar certo porque sabemos a hora certa de estar no lugar certo. Por exemplo, quando estamos quase desistindo de algo e resolvemos dar um tempo para a pressão, do nada surgem as pessoas certas que nos ajudam com soluções reais e práticas.

Kairos é o tempo oportuno, livre do peso de cargas passadas e sem ansiedade de anteceder o futuro. Ele se manifesta no presente, instante após instante. Esse tempo mágico ou oportuno é um convite para nos despojarmos da razão exagerada, cronológica e voltarmos a brincar com o tempo e vivê-lo com leveza e intensidade.

Agir no tempo regido por Kairós é similar a um ato mágico.

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